Os FACTS
da salvação: um sumário da teologia arminiana
Por Brian Abasciano
As
doutrinas bíblicas da graça
Os princípios distintivos da teologia arminiana
podem ser apresentados usando o acróstico FACTS. Esta é uma teologia que se
opõe ao calvinismo, bem conhecido por seu acrônimo TULIP (para uma descrição da
TULIP, veja aqui). Porém, arminianos preferem lidar com fatos em vez de brincar
com flores. Aqui, os fatos são apresentados em ordem lógica em vez da ordem no acrônimo,
para facilitar ainda mais a explicação.
(Por favor, note: todas as citações das Escrituras
são da ARA, salvo indicação contrária. A numeração dos “Cinco Artigos da
Remonstrância” (para os artigos completos, veja aqui) foi colocada entre
colchetes junto aos pontos correspondentes do FACTS para serem comparados à
primeira declaração histórica da teologia arminiana. Você pode ver um esboço
dos FACTS aqui.)
Total depravação (o T do FACTS) [Artigo
3 dos Cinco Artigos da Remonstrância]
A humanidade foi criada à imagem de Deus, boa e
reta, mas caiu do seu estado original sem pecado pela desobediência voluntária,
deixando a humanidade no estado de total depravação, em pecado, separada de
Deus, e debaixo da sentença da condenação divina (Rm 3.23; 6.23; Ef 2.1-3). Total
depravação não quer dizer que os seres humanos são tão maus quanto poderiam
ser, mas que o pecado afetou cada parte do ser e que essas pessoas agora têm
uma natureza pecaminosa com uma inclinação natural para o pecado. Os seres
humanos são fundamentalmente corruptos no coração. Como a Escritura nos diz, “enganoso
é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto;” (Jr
17.9; cf. Gn 6.5; Mt 19.17; Lc 11.13). De fato, os seres humanos estão espiritualmente
mortos em pecados (Ef 2.1-3; Cl 2.13) e são escravos do pecado (Rm 6.17-20). O
apóstolo Paulo até mesmo diz, “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha
carne, não habita bem nenhum...” (Rm 7.18). Em outro lugar, ele testifica: “Como
está escrito: Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem
busque a Deus; todos se extraviaram, a uma se fizeram inúteis; não há quem faça
o bem, não há nem um sequer.” (Rm 3.10-12; cf. Rm 1.18-32; Ef 4.17-22). Em
seu estado natural, os seres humanos são hostis a Deus e não podem se submeter
à sua Lei e nem agradá-lo (Rm 8.7-8), portanto, os seres humanos não são
capazes de pensar, desejar, nem fazer qualquer coisa boa de e por si mesmos.
Somos incapazes de qualquer coisa que mereça o favor de Deus e não podemos
fazer nada para nos salvar do julgamento e da condenação divina que merecemos
pelo nosso pecado. Nós não podemos sequer crer no evangelho por nós mesmos (Jo
6.44). Se alguém será salvo, Deus deve ter tomado a iniciativa.
A todos expiação (o A do FACTS)
[Artigo 2 dos Cinco Artigos da Remonstrância]
Como foi observado acima, devido à total
depravação, ninguém pode ser salvo a não ser que Deus tome a iniciativa. As
boas novas são que, visto que “Deus é amor” (1Jo 4.8,16) e “a sua
misericórdia dura para sempre” (Sl 136.14), ele ama até mesmo os seus inimigos
(Mt 5.38-44), ele “deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao
pleno conhecimento da verdade” (1Tm 2.4), “não querendo que nenhum
pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento” (2Pe 3.9), e não tem
qualquer prazer na morte do ímpio, mas, em vez disso, deseja que ele se
arrependa dos seus pecados e viva (Ez 18.23,32), ele tomou a iniciativa
enviando o seu único Filho, para morrer pelos pecados do mundo. Como João 3.16-18
tão belamente nos fala: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o
seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida
eterna. Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o
mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. Quem nele crê não é julgado; o
que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de
Deus.” Deus providenciou o perdão dos pecados e a salvação de cada pessoa
pela morte de Jesus Cristo em favor da humanidade pecadora. De fato, pela graça
de Deus, Jesus experimentou a morte por todos (Hb 2.9). Como 1 João 2.2 nos
diz, “Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos,
mas também pelos pecados de todo o mundo.” (NVI). Após a sentença de 1 Timóteo
2.4 citada acima que Deus “deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem
ao pleno conhecimento da verdade”, os versos seguintes de 1 Timóteo
continuam, “Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens,
Cristo Jesus, homem, o qual a si mesmo se deu em resgate por todos: testemunho
que se deve prestar em tempos oportunos.” (1Tm 2.5-6). De fato, “o Filho
do Homem veio buscar e salvar o perdido” (Lc 19.10), “Cristo Jesus veio
ao mundo para salvar os pecadores” (1Tm 1.15), “o Pai enviou o seu Filho
como Salvador do mundo” (1Jo 4.14; cf. Jo 4.42), Deus é “Salvador de
todos os homens” (1Tm 4.10), Jesus é “o Cordeiro de Deus, que tira o
pecado do mundo” (Jo 1.29), que “morreu pelos ímpios” (Rm 5.6 NVI),
e “morreu por todos” (2Co 5.14-15) quando “Deus estava em Cristo
reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões”
(2Co 5.19). Jesus morreu até mesmo por aqueles que rejeitaram a Ele e à sua
palavra, que o negaram e, por isso, pereceram (Lc 22.17-21; Jo 12.46-48; Rm
14.15; 1Co 8.11; 2Pe 2.1; Hb 10.29). A provisão da expiação foi feita por todos
que pecaram, ou seja, para todas as pessoas (Rm 3.22-25; 5.18).
Mas ainda que Jesus tenha morrido por todos e tenha
provido expiação a todos, a intenção da expiação provida foi que sua aplicação de
fato (que concede o perdão dos pecados, o estado de justo diante de Deus e a salvação)
fosse condicionada à fé em Jesus Cristo. Isto é claramente afirmado no texto de
João 3.16-18, citado acima. Por amor, Deus sacrificou o seu único Filho pelo
mundo de modo que aqueles do mundo que confiarem em Jesus e em seu sacrifício
expiatório se beneficiarão desse sacrifício expiatório e serão salvos, enquanto
que aqueles do mundo que rejeitarem este sacrifício expiatório em descrença não
se beneficiarão dele, mas permanecerão condenados e perecerão (cf. várias
outras passagens deixam claro que a fé é a condição sob a qual e o meio pelo
qual o perdão, a vida eterna e a salvação são recebidos, por exemplo: Lc 8.12;
Jo 1.12, 3.36, 5.24, 6.40,47, 20.31; At 16.31; Rm 1.16, capítulos 3-4, 10.9-10;
1Co 1.21; Gl 2.16, capítulo 3; Ef 2.8-9; 1Tm 1.16). Visto que a expiação foi
providenciada a todos, tornando a salvação disponível a todos, a Escritura, às
vezes, retrata a justificação como potencial a todas as pessoas (Rm 3.22-25; 5.18)
ainda que nem todos sejam enfim salvos. Embora Deus queira que todos creiam e
sejam salvos pelo sangue de Cristo, muitos perecerão, não por falta de
disponibilidade de salvação, mas porque rejeitaram a provisão salvífica feita a
eles na morte de Cristo e “porquanto não crê no nome do unigênito Filho de
Deus” (Jo 3.18). Semelhantemente, as referências escriturísticas a Deus ou a
Cristo como o Salvador do mundo/de todos (Jo 4.42; 1Tm 4.10; 1Jo 4.14) não
significam que todos serão de fato salvos, mas que o Pai e o Filho
providenciaram salvação para todos, a qual é efetiva somente naqueles que
creem. Como a própria passagem de 1 Timóteo 4.10 diz, “Ora, é para esse fim
que labutamos e nos esforçamos sobremodo, porquanto temos posto a nossa
esperança no Deus vivo, Salvador de todos os homens, especialmente dos fiéis.”
E Tito 2.11 pode encorajar os crentes a apresentar um bom testemunho de Cristo
ao mundo descrente com esta razão: “Porquanto a graça de Deus se manifestou
salvadora a todos os homens.” De fato, é a expiação ilimitada de Cristo que
serve como a fundação necessária da genuína oferta de salvação oferecida a
todos no evangelho e que está de acordo com o comissão de pregar o evangelho a
todos. Por exemplo, falando a uma audiência basicamente judaica, o apóstolo
Pedro baseou o chamado ao arrependimento na obra de Cristo e deixou implícito
que essa obra foi em prol de todos em sua audiência, quando lhes assegurou que
Deus enviou a Cristo para converter cada um deles dos seus pecados:
“mas Deus, assim, cumpriu o que
dantes anunciara por boca de todos os profetas: que o seu Cristo havia de
padecer. Arrependei-vos, pois, e convertei-vos para serem cancelados os vossos
pecados, a fim de que, da presença do Senhor, venham tempos de refrigério, e
que envie ele o Cristo, que já vos foi designado, Jesus, ao qual é necessário
que o céu receba até aos tempos da restauração de todas as coisas, de que Deus
falou por boca dos seus santos profetas desde a antiguidade. […] Tendo Deus
ressuscitado o seu Servo, enviou-o primeiramente a vós outros para vos
abençoar, no sentido de que cada um se aparte das suas perversidades.” (At
3.18-21,26).
Como Lucas 24.45-47 relata, “Então, lhes abriu o
entendimento para compreenderem as Escrituras; e lhes disse: Assim está escrito
que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia e
que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as
nações, começando de Jerusalém.“ (cf. Mt 28.18-20; At 17.30).
Feito livre pela graça (o F no FACTS) [Artigo 3 e 4
dos Cinco Artigos da Remonstrância]
Como temos notado devido aos seres humanos estarem
caídos e em pecado, eles não são capazes de pensar e de desejar, nem de fazer
qualquer coisa boa em e de si mesmos, incluindo crer no evangelho de Cristo
(veja a descrição acima sobre “Total depravação”). Portanto, querendo a
salvação de todos e providenciando expiação para todas as pessoas (veja acima “A
todos expiação”), Deus continua a tomar a iniciativa com o propósito de trazer
todas as pessoas para a salvação as chamando em todo lugar para se arrependerem
e crerem no Evangelho (At 17.30; cf. Mt 28.18-20), e capacitando aqueles que
ouvem o evangelho a responder positivamente com fé. Sem o auxílio da graça, o
homem não pode sequer escolher agradar Deus ou crer na promessa da salvação oferecida
no evangelho. Como Jesus disse em João 6.44, “Ninguém pode vir a mim se o
Pai, que me enviou, não o trouxer.” Mas graças a Deus, Jesus também
prometeu, “E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo.”
(Jo 12.32). Portanto, o Pai e o Filho trazem todas as pessoas a Jesus, capacitando-as
a vir a Jesus em fé. Mesmo que os pecadores estejam cegos para a verdade do
evangelho (2Co 4.4), Jesus veio ao mundo dos pecadores como “a verdadeira
luz, que ilumina todos os homens” (Jo 1.9 NVI; cf. 12.36), a luz da qual
João Batista veio testificar, “para que todos cressem por ele” (Jo 1.7
ARC). Então, encontramos Jesus falando ao povo que estava indisposto a crer nele,
para que pudessem ser salvos (Jo 5.34,40) e alertando os descrentes, “Ainda
por um pouco a luz está convosco. Andai enquanto tendes a luz, para que as
trevas não vos apanhem; e quem anda nas trevas não sabe para onde vai. Enquanto
tendes a luz, crede na luz, para que vos torneis filhos da luz.” (Jo 12.35-36).
De fato, Deus iluminou os corações de seus apóstolos “para iluminação do
conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo” (2Co 4.6) e o apóstolo
Paulo recebeu a graça “de pregar aos gentios o evangelho das insondáveis
riquezas de Cristo e manifestar qual seja a dispensação do mistério, desde os
séculos, oculto em Deus, que criou todas as coisas,” (Ef 3.8-9). Isto se
refere ao evangelho da graça de Deus, “poder de Deus para a salvação de todo
aquele que crê” (Rm 1.16), e realmente isto se torna possível, pelo poder
do Espírito Santo, para aqueles que ouvem e creem, por que:
“A palavra está perto de ti, na tua
boca e no teu coração; isto é, a palavra da fé que pregamos [note que Paulo
está aplicando Dt 30.12, que indica a capacidade de obedecer a palavra de Deus,
a mensagem do evangelho, portanto indicando que, a quem ouvir o evangelho, será
lhe dado a capacidade de crer nele]. Se, com a tua boca, confessares Jesus como
Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás
salvo. Porque com o coração se crê para justiça e com a boca se confessa a
respeito da salvação. Porquanto a Escritura diz: Todo aquele que nele crê não
será confundido. Pois não há distinção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo
é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam. Porque: Todo aquele
que invocar o nome do Senhor será salvo.” (Rm 10.8-13)
Além disso, “a fé vem pela pregação, e a pregação,
pela palavra de Cristo” (Rm 10.17), apesar de que isto não cause
necessariamente a fé, visto que “nem todos obedeceram ao evangelho” (Rm
10.16) mesmo que tenham ouvido (Rm 10.18). Deus oferece a sua maravilhosa graça
salvífica em seu Filho para os pecadores, mas lhes permite escolher se o aceitarão
ou o rejeitarão. Portanto, no caso de Israel, o Deus que ama a todos e trabalha
pela salvação de todos diz, “Todo o dia estendi as mãos a um povo rebelde e
contradizente” (Rm 10.21).
Continuando a missão de Jesus de salvar o mundo, o
Santo Espírito veio para convencer “o mundo do pecado, da justiça e do
juízo” (Jo 16.8). Ainda que descrentes estejam “entenebrecidos no
entendimento, separados da vida de Deus, pela ignorância que há neles, pela
dureza do seu coração” (Ef 4.18 ARC), o Senhor abre os corações para que
respondam positivamente à mensagem do evangelho (At 16.14) e a sua bondade leva
àqueles com coração duro e impenitente em direção ao arrependimento (Rm 2.4-5).
Em sua soberania, ele até mesmo fixou os povos com o exato propósito de “que
os homens o buscassem e talvez, tateando, pudessem encontrá-lo, embora não
esteja longe de cada um de nós.” (At 17.27 NVI). Em suma, Deus chama todas
as pessoas a se arrepender e crer no evangelho, capacitando àqueles que ouvem a
responder positivamente com fé, enquanto traz todas as pessoas para a fé em
Jesus, ele rompe a escuridão de seus corações e mentes com o esplendor da sua
luz, ilumina as suas mentes, comunica o seu impressionante poder com o
evangelho que incita a fé, persuade com a sua bondade, convence pelo seu
Espírito, abre os seus corações para atentar ao seu evangelho, e os fixa a fim
de buscá-lo já que ele está perto de cada um.
Tudo isso é conhecido na linguagem teológica
tradicional como a graça preveniente de Deus. O termo “preveniente”
simplesmente significa “precedente”. Portanto, “graça preveniente” se refere à
graça de Deus que precede a salvação, incluindo a parte da salvação conhecida
como regeneração, a qual é o começo da vida espiritual eterna concedida a todos
os que confiam em Cristo (Jo 1.12-13). A graça preveniente é também, às vezes,
chamada de graça capacitante ou graça pré-regenerativa. Isso é um favor
imerecido de Deus para pessoas totalmente depravadas, indignas da bênção de
Deus e incapazes de buscar a Deus ou de confiar nele de e por si mesmas. Assim,
Atos 18.27 indica que nós cremos mediante graça, colocando a graça
prevenientemente (i.e. logicamente anterior) à fé como o meio pelo qual cremos.
Ela é a graça que, entre outras coisas, liberta a nossa vontade para crermos em
Cristo e no seu evangelho. Como Tito 2.11 diz, “Porquanto a graça de Deus se
manifestou salvadora a todos os homens”.
Falamos da vontade do homem sendo liberta pela
graça, para enfatizar que as pessoas não têm livre-arbítrio natural quando vêm
a crer em Jesus, mas que Deus deve graciosamente tomar a ação de libertar a nossa
vontade a fim de sermos capazes de crer em seu Filho, enviado para a salvação
de todos. Quando a nossa vontade está liberta, podemos aceitar a graça
salvífica de Deus com fé ou rejeitá-la para nossa própria ruína. Em outras
palavras, a graça salvífica de Deus é resistível, ou seja, Deus, ao chamar, ao atrair
e ao dispensar a sua graça convincente (que nos traz à salvação se respondida com
fé) faz isto de tal forma que podemos rejeitá-lo. Somos feitos livres para crer
em Jesus e livres para rejeitá-lo. A resistibilidade da graça salvífica de Deus
é claramente mostrada na Escritura, como algumas das passagens já mencionadas
testificam. De fato, a Bíblia é tristemente repleta de exemplos de pessoas que desprezaram
a graça de Deus que lhes oferecida. Em Isaías 5.1-7, Deus realmente indica que
ele não podia ter feito nada mais, para Israel produzir bons frutos, mas, se a
graça irresistível é algo que Deus dispensa, então ele poderia facilmente tê-la
provido e infalivelmente ter feito Israel produzir bons frutos. Muitas
passagens do Antigo Testamento falam sobre como Deus estendeu sua graça para
Israel várias e várias vezes, mas repetidamente eles resistiram-lhe e o
rejeitaram (e.g., 2Rs 17.7-23; Jr 25.3-11; 26.1-9; 35.1-19). A passagem de 2 Crônicas
36.15-16 menciona o contínuo chamado de Deus estendido ao seu povo, o qual foi
rejeitado e foi motivado pela compaixão por eles. Mas isto só poderia ser se a
graça que ele estendeu os capacitou a se arrepender e a evitar o seu julgamento
fosse resistível, visto que eles, de fato, resistiram-na e sofreram o
julgamento de Deus. Em Neemias 9, há um exemplo impressionante do testemunho do
Antigo Testamento segundo o qual Deus continuamente estendeu sua graça a Israel,
onde encontrou resistência e rejeição. Não temos espaço para rever toda a
passagem (mas o leitor é encorajado a assim fazer), mas citaremos alguns
elementos-chave e chamaremos a atenção para alguns pontos importantes. Em Neemias
9.20a diz, “Deste [Deus] o teu bom Espírito para instruí-los [Israel]”
(NVI), sendo seguido por um extenso catálogo de ações divinas graciosas em
favor de Israel nos versos 9.20b-25. Então em 9.26-31 diz:
Ainda assim, foram desobedientes e se
revoltaram contra ti; viraram as costas à tua lei e mataram os teus profetas,
que protestavam contra eles, para os fazerem voltar a ti; e cometeram grandes
blasfêmias. Pelo que os entregaste nas mãos dos seus opressores, que os angustiaram;
mas no tempo de sua angústia, clamando eles a ti, dos céus tu os ouviste; e,
segundo a tua grande misericórdia, deste-lhes libertadores que os salvaram das
mãos dos que os oprimiam. Porém, quando
se viam em descanso, tornavam a fazer o mal diante de ti; e tu os desamparavas
nas mãos dos seus inimigos, para que dominassem sobre eles; mas, convertendo-se
eles e clamando a ti, tu os ouviste dos céus e, segundo a tua misericórdia,
livraste-os muitas vezes. Testemunhaste
contra eles, para que voltassem à tua lei; porém eles se houveram soberbamente
e não deram ouvidos aos teus mandamentos, mas pecaram contra os teus juízos,
pelo cumprimento dos quais o homem viverá; obstinadamente deram de ombros,
endureceram a cerviz e não quiseram ouvir. No entanto, os aturaste por muitos
anos e testemunhaste contra eles pelo teu Espírito, por intermédio dos teus
profetas; porém eles não deram ouvidos; pelo que os entregaste nas mãos dos
povos de outras terras. Mas, pela tua grande misericórdia, não acabaste com eles
nem os desamparaste; porque tu és Deus clemente e misericordioso.
O texto afirma que Deus deu o seu Espírito para
instruir Israel (9.20a) e que Deus enviou os seus profetas e alertou Israel
para o propósito de que eles retornassem a ele. Deus propôs estas ações para
que Israel se voltasse a ele e à sua Lei, e, ainda assim, eles se rebelaram.
Isto mostra que Deus permitiu que o seu propósito não viesse a ocorrer por
permitir a seres humanos uma escolha de render-se à sua graça ou não.
Intrigantemente, a palavra traduzida como “aturar” em Neemias 9.30 usa uma
palavra hebraica que geralmente significa algo como “trazer, tragar, puxar” e
foi traduzida na tradução grega do AT usada pela antiga igreja com a mesma
palavra usada em João 6.44a (“Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me
enviou, não o trouxer”). Uma tradução melhor de Neemias 9.30 seria “Por muitos
anos tu os trouxeste e os alertaste pelo teu Espírito mediante os profetas.
Ainda assim eles não deram ouvidos.” O texto fala de um trazer divino resistível
que busca conduzir as pessoas para o Senhor em arrependimento. Estêvão também nos
deu um bom exemplo da graça resistível quando disse aos seus compatriotas
judeus, “Homens de dura cerviz e incircuncisos de coração e de ouvidos, vós
sempre resistis ao Espírito Santo; assim como fizeram vossos pais, também vós o
fazeis. Qual dos profetas vossos pais não perseguiram? Eles mataram os que
anteriormente anunciavam a vinda do Justo, do qual vós agora vos tornastes
traidores e assassinos, vós que recebestes a lei por ministério de anjos e não
a guardastes.” (At 7.51-53) A passagem de Lucas 7.30 nos diz que “os
fariseus e os intérpretes da Lei rejeitaram, quanto a si mesmos, o desígnio de
Deus.” E Jesus, falando ao povo com o propósito de salvá-los (Jo 5.34),
ainda assim notou que eles recusavam a vir até ele para terem vida (Jo 5.40), ele
veio para converter cada judeu de seu pecado (At 3.26; veja o tratamento desse
texto em “A todos expiação”), ainda que, claramente, nem todo judeu tenha crido
nele, Jesus lamentou sobre a indisposição do seu povo em receber a sua graça,
dizendo “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te
foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir teus filhos como a galinha ajunta
os do seu próprio ninho debaixo das asas, e vós não o quisestes!” (Lc
13.34; veja também Ez 24.13; Mt 23.37; Rm 2.4-5; Zc 7.11-14; Hb 10.29, 12.15;
Jd 1.4; 2Co 6.1-2; Sl 78.40-42).
Arminianos divergem entre si mesmos sobre alguns
detalhes de como a graça preveniente de Deus opera, provavelmente porque a
própria Escritura não nos dá uma descrição detalhada. Alguns arminianos creem
que um dos benefícios da expiação é que Deus continuamente capacita todas as
pessoas a crer em todos os momentos. Outros creem que Deus somente concede às
pessoas a capacidade de crer em Cristo em momentos específicos de acordo com
sua boa vontade e sabedoria. Ainda outros creem que a graça preveniente
geralmente acompanha qualquer um dos movimentos específicos de Deus em direção
às pessoas, tornando-as capazes de responder positivamente a tais movimentos que
Deus mandaria. Mas todos os arminianos concordam que as pessoas são incapazes
de crer em Jesus à parte da intervenção da graça de Deus e que Deus concede a
sua graça que traz para a salvação todas as pessoas moralmente responsáveis. Em
relação ao evangelho, o bispo arminiano do século XVII, Laurence Womack, bem
dissera que, “em todos aqueles que a palavra da fé é pregada, o Santo Espírito
concede, ou está pronto a conceder, tanta graça quanto for suficiente, em grau
adequado, para lhes trazer à conversão.”
O conceito de “arbítrio liberto” levanta uma
questão mais ampla sobre se os seres humanos possuem geralmente livre-arbítrio
fora da esfera agradável de Deus e de realizar algum bem espiritual (novamente,
as pessoas não são livres nessa área a não ser que Deus as capacite). A
resposta arminiana é sim. Pessoas têm livre-arbítrio em toda espécie de coisas.
Por isso, nós queremos dizer que, quando as pessoas são livres em relação a uma
ação, então elas podem – pelo menos – realizar a ação ou se abster de fazê-la.
Pessoas geralmente fazem escolhas genuínas e são consequentemente capazes de
realizar escolhas. Quando livre, a escolha específica que alguém faz não foi
eficientemente predeterminada ou necessitada por qualquer um ou qualquer coisa
além da pessoa em si. De fato, se as ações da pessoa foram tornadas necessárias
por outrem, e se a pessoa não pode evitar realizar a ação, então ela não tem
nenhuma escolha e não é livre neste quesito. Se ela não tem escolha, então nem
pode ser propriamente dito que ela escolhe. Mas a Escritura muito claramente
indica que as pessoas têm e fazem escolhas sobre muitas coisas (e.g., Dt 23.16;
30.19; Js 24.15; 2Sm 24.12; 1Rs 18.23,25; 1Cr 21.10; At 15.22,25; Fp 1.22).
Além disto, a Escritura explicitamente fala da liberdade humana (Ex 35.29; 36.3;
Lv 7.16; 22.18,21,23; 23.38; Nm 15.3; 29.39; Dt 12.6,17; 16.10; 2Cr 31.14; 35.8;
Ed 1.4,6; 3.5; 7.16; 8.28; Sl 119.108; Ez 46.12; Am 4.5; 2Co 8.3; Fm 1.14; cf.
1Co 7.37) e atesta sobre seres humanos violando a vontade de Deus, mostrando
que Deus não predetermina as suas vontade e ações para o pecado. Além disso, o
fato de Deus manter as pessoas responsáveis por suas escolhas e ações implica
que tais escolhas e ações foram livres. Todavia, é importante notar que
arminianos não creem em livre-arbítrio ilimitado. Há muitas coisas nas quais
não somos livres. Por exemplo, não podemos escolher voar batendo os braços. Nem
negamos que as nossas livres ações são influenciadas por todas as espécies de
causas. Mas, quando somos livres, essas causas são resistíveis e temos uma
escolha genuína naquilo que fazemos, e não somos causados necessariamente a
agir de uma determinada maneira por Deus ou por qualquer outra coisa além de
nós mesmos.
Finalmente, o conceito de arbítrio liberto também
implica que Deus tem livre-arbítrio final e absoluto, pois é Deus que sobrenaturalmente
liberta o arbítrio dos pecadores pela sua graça para crerem em Cristo, matéria do
próprio livre-arbítrio e soberania de Deus. Deus é onipotente e soberano, tendo
o poder e autoridade para fazer qualquer coisa que queira e não sendo restrito
em suas próprias ações e vontade por nada fora de si mesmo e do seu próprio
julgamento (Gn 18.14; Ex 3.14; Jó 41.11; Sl 50.10-12; Is 40.13-14; Jr 32.17,27;
Mt 19.26; Lc 1.37; At 17.24-25; Rm 11.34-36; Ef 3.20; 2Co 6.18; Ap 1.8; 4.11).
Nada pode acontecer a menos que ele faça ou permita. Ele é o Criador Todo-Poderoso
e o Deus do universo a quem devemos todo o amor, adoração, glória, honra, gratidão,
louvor e obediência. Portanto, é bom que nos lembremos de que, por trás do
arbítrio liberto humano, está Aquele que liberta o arbítrio e isso se deve à sua
gloriosa, livre e soberana graça, totalmente imerecida de nossa parte, providenciada
a nós pelo amor e misericórdia de Deus. Louvado seja seu santo nome!
Condicional eleição (o C no FACTS) [Artigo 1 dos Cinco Artigos da
Remonstrância]
Há duas visões principais sobre o que a Bíblia
ensina em relação ao conceito de eleição para salvação: uma é condicional e a
outra a incondicional. Para que a eleição seja incondicional, a escolha de Deus
daqueles que serão salvos não tem qualquer relação com eles, e nada sobre eles
contribui para a decisão de Deus em escolhê-los, o que parece fazer da escolha de
Deus – em relação a qualquer indivíduo em particular em detrimento de outro – arbitrária.
Isso também implica em reprovação incondicional e arbitrária, a escolha de Deus
de não salvar determinados indivíduos, mas de condená-los pelos seus pecados
por nenhum motivo relacionado a eles, o que parece contradizer o espírito de
numerosas passagens que enfatizam o pecado humano como o motivo da condenação divina,
bem como o desejo de Deus para que as pessoas se arrependam e sejam salvas
(e.g. Gn 18.25; Dt 7.9,12; 11.26-28; 30.15; 2Cr 15.1-2; Sl 145.19; Ez 18.20-24;
Jo 3.16-18; veja acima “A todos expiação” e também o tratamento da reprovação
por John Wesley, incluindo muito mais versos com um breve comentário). Para que
a eleição seja condicional, a escolha de Deus daqueles que serão salvos tem alguma
relação com eles, e parte do motivo para escolhê-los diz respeito a eles. Quanto
à eleição para salvação, a Bíblia ensina que Deus escolhe para salvação aqueles
que creem em Jesus Cristo e, portanto eles se tornam unidos a ele; desse modo,
a eleição se faz condicional à fé em Cristo.
Desejando a salvação de todos, provendo expiação
para todos, e tomando a iniciativa de trazer todas as pessoas à salvação mediante
a iluminação do evangelho e capacitando os que ouvem o evangelho a responder
positivamente com fé (veja acima “A todos expiação” e “Feito livre pela graça”),
Deus escolhe salvar aqueles que creem no evangelho / em Jesus Cristo (Jo 3.15-16,
36, 4.14, 5.24, 40, 6.47,50-58, 20.31; Rm 3.21-30, 4.3-5,9,11,13,16,20-24, 5.1-2,
9.30-33, 10.4,9-13; 1Co 1.21, 15.1-2; Gl 2.15-16, 3.2-9,11,14,22,24,26-28; Ef
1.13; 2.8; Fp 3.9; Hb 3.6,14,18-19, 4.2-3, 6.12; 1Jo 2.23-25, 5.10-13,20). Essa
verdade bíblica clara e básica é equivalente a dizer que a eleição para
salvação é condicional à fé. Assim como a salvação é pela fé (e.g. Ef 2.8 – “Porque
pela graça sois salvos, mediante a fé”), também a eleição para salvação é
pela fé, um ponto explicitamente exposto em 2 Tessalonicenses 2.13 – “porque
desde o princípio Deus os escolheu para serem salvos mediante a obra
santificadora do Espírito e a fé na verdade.” (NVI; note que: “Deus os
escolheu… mediante… fé na verdade”; sobre a gramática deste verso, veja aqui).
Ou, como João 14.21 coloca (com a suposição não declarada que o amor por Cristo
e obediência aos seus mandamentos provém da fé), “aquele que tem os meus
mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado
por meu Pai, e eu também o amarei e me manifestarei a ele.” Ou novamente,
nas palavras de 1 Coríntios 8.3, “Mas, se alguém ama a Deus, esse é
conhecido por ele.” Além disso, encontramos várias expressões do estado de
eleito/salvo sendo dado pela fé, i.e. concedido por Deus em resposta à fé. Os crentes
são justificados pela fé (Rm 3-4; Gl 3), adotados como filhos de Deus pela fé
(Jo 1.12; Gl 3.26), herdeiros de Deus pela fé (Rm 4.13-16; Gl 3.24-29; Tt 3.7;
cf. Rm 8.16-17), é dado a vida espiritual (= regenerados) pela fé (Jo 1.12-13,
3.14-16, 5.24,39-40, 6.47,50-58, 20.31; Ef 2.4-8 [note que ser salvo aqui é
igualado a ser ressuscitado para a vida espiritual etc., e que a isto é dito ter
ocorrido pela fé]; Cl 2.12; 1Tm 1.16; Tt 3.7), santificados pela fé (At 26.18),
o Espírito Santo é dado pela fé (Jo 4.14; 7.38-39; At 2.33; Rm 5.1,5; Ef
1.13-14; Gl 3.1-6,14), habitados pelo Pai, Filho e Santo Espírito pela fé (com
os parênteses anteriores, veja Jo 14.15-17,23, 17.20-23; Ef 3.14-17), e unidos
a Cristo pela fé (Jo 6.53-57, 14.23, 17.20-23; Ef 1.13-14, cap. 2; 3.17; Gl
3.26-28; Rm 6; 1Co 1.30; 2Co 5.21).
Devemos ter cuidado para não perder a expressão do
estado de eleitos nestes vários estados de graça. O estado de justificação
significa estar em um relacionamento correto com Deus, mas isso implica em pertencer
a ele como alguém do seu povo eleito. A adoção/filiação também é uma expressão
clássica do Antigo Testamento sobre a eleição pactual do povo de Deus (Ex 4.22-23),
que envolve a ideia de pertencer a Deus da forma mais profunda possível. A herança
flui diretamente disso como uma expressão da eleição. Os filhos, que pertencem
a Deus, são herdeiros das suas bênçãos e promessas pactuais (Rm 8.16-17). A vida
espiritual também implica no estado de eleito porque ela é uma das bênçãos
providas na aliança, mas a sua conexão com o estado pactual de eleito é ainda
maior, como João 17.3 revela que não apenas aqueles que pertencem a Jesus recebem
vida eterna, mas que esta vida eterna é conhecer Cristo/Deus, algo mais bem
entendido como um relacionamento pactual íntimo envolvendo o estado de eleito: “E
a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus
Cristo, a quem enviaste”.
O fato de o Espírito Santo ser dado aos crentes sob
a condição de fé em Cristo também é profundamente solidário à eleição
condicional. Pois, na Escritura, a presença de Deus / Espírito Santo é o outorgador
e o indicador da eleição. Como Moisés orou em Êxodo 33.15-16, “Se a tua
presença não vai comigo, não nos faças subir deste lugar. Pois como se há de
saber que achamos graça aos teus olhos, eu e o teu povo? Não é, porventura, em
andares conosco, de maneira que somos separados, eu e o teu povo, de todos os
povos da terra?” Ou como Paulo estabelece em Romanos 8.9-10, “Vós,
porém, não estais na carne, mas no Espírito, se, de fato, o Espírito de Deus
habita em vós. E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é
dele. Se, porém, Cristo está em vós, o corpo, na verdade, está morto por
causa do pecado, mas o espírito é vida, por causa da justiça.” (ênfase adicionada).
A concessão do Espírito acarreta a eleição e possuir o Espírito torna a pessoa
eleita. Portanto, possuir o Espírito também marca uma pessoa como eleita. Mas o
Espírito é dado aos crentes pela fé, fazendo com que a eleição também seja pela
fé.
De uma perspectiva arminiana não tradicional (veja
abaixo sobre as diferentes visões arminianas de eleição), isto concorda com o
fato de que o Santo Espírito santifica os crentes e que a santificação é por
vezes identificada como o meio pelo qual a eleição é obtida (2Ts 2.13; 1Pe 1.2).
Santificar significa “tornar santo, separar para Deus”. A obra santificante
inicial do Espírito é mais ou menos equivalente a eleição – crentes sendo
escolhidos ou separados para Deus a fim de servi-lo e obedecê-lo. O apóstolo
Paulo disse à igreja dos tessalonicenses que, “desde o princípio Deus os
escolheu para serem salvos mediante a obra santificadora do Espírito e a fé na
verdade.” (2Ts 2.13 NVI). A eleição é aqui apresentada como se
estabelecendo através da ou pela santificação que o Santo Espírito realiza. Mas
como vimos, o Espírito Santo é recebido pela fé, isto faz com que a
santificação também seja condicionada à fé e assim fica esclarecida a menção da
“fé na verdade” imediatamente seguida em 2 Tessalonicenses 2.13.
Semelhantemente 1 Pedro 1.1-2 fala “aos
eleitos que são forasteiros... segundo a presciência de Deus Pai, em
santificação do Espírito, para a obediência e a aspersão do sangue de Jesus
Cristo...” A Eleição se estabelece na, pela ou através da santificação
efetivada pelo Espírito. Isto é, uma pessoa se torna eleita quando o Espírito Santo
a separa para Deus, para obediência a Jesus Cristo e para aspersão do seu
sangue (i.e. o perdão dos pecados), um ato consequente à concessão do Espírito,
que é, mais uma vez, em si, consequência da fé em Cristo.
O estado final da graça daqueles acima mencionados,
considerarmos que seja a união com Cristo, que é o mais fundamental de todos,
servindo como a base de cada um. Como Efésios 1.3 declara sobre a igreja, que
Deus “nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões
celestiais em Cristo.” A frase “em Cristo” indica a união com
Cristo, um estado que se adentra pela fé, como já mencionado. Em Efésios 1.3, a
união com Cristo é dada como condição para as bênçãos de Deus para a igreja.
Isto é, Deus abençoou a igreja com toda sorte de bênçãos espirituais como
consequência dela estar unida a Cristo (cf. Rm 9.7b – “Em [i.e. dentro
de] Isaque será chamada a tua descendência”, isto claramente significa
que a descendência de Abraão seria chamada como consequência de estarem em
Isaque, i.e. aqueles conectados a Isaque seriam contados como descendência de
Abraão). Uma das bênçãos espirituais específicas, dentre todas as bênçãos
espirituais com que a igreja foi abençoada, é a eleição (Ef 1.4). Agora, se
Deus abençoou a igreja com toda bênção espiritual, como consequência dela estar
unida a Cristo, e a eleição é uma dessas bênçãos, então isto significa que a
eleição é condicional à união com Cristo e à fé pela qual essa união é
estabelecida.
Sendo mais direto, Efésios 1.4 explicitamente
indica a condição de eleição ao especificar com a frase “[Deus] nos
escolheu, nele [Cristo], antes da fundação do mundo.” Assim como Deus
nos abençoou em Cristo com toda bênção espiritual indica que Deus nos abençoou
porque estamos em Cristo (Ef 1.3), então Deus nos escolhendo em Cristo indica
que Deus nos escolheu por causa da nossa união com Cristo (Ef 1.4). Portanto,
Efésios 1.4 articula a eleição condicional, uma eleição que é condicional à
união com Cristo. Porém, o fato de que a união com Cristo é condicional à fé
nele também torna a eleição condicional à fé em Cristo.
A próxima frase em Efésios 1.4 – “antes da
fundação do mundo” – nos leva a uma diferença de opinião entre arminianos
sobre a natureza da eleição condicional. A visão tradicional concebe a eleição
condicional como sendo individualista, com Deus escolhendo separadamente antes
da fundação do mundo cada indivíduo que ele previu que livremente estaria em
Cristo pela fé e perseveraria nesta fé-união. A visão parece encontrar
impressionante suporte em duas passagens proeminentes que se referem à eleição.
Romanos 8.29 diz “Porquanto aos que de antemão
conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a
fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos.” Agora, sem dúvida, a
presciência de Deus em relação aos seres humanos é total e inclui conhecimento prévio
de cada pessoa se iria crer ou não. Em Romanos 8.29, a presciência divina é
apresentada como a condição para a predestinação. Dado tudo o que foi dito até
aqui, muitos acham que a presciência de Deus da fé dos crentes seja o elemento
mais natural da sua presciência a ponto de ser o determinante sobre a sua
decisão de salvá-los e predestiná-los a serem conformes à imagem de Cristo.
A outra passagem proeminente que provê suporte para
a eleição ser condicionada à presciência divina da fé humana é 1 Pedro 1.1-2, a
qual fala do estado de eleito como sendo “eleitos, segundo a presciência de
Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e a aspersão do sangue
de Jesus Cristo...” Aqui o estado de eleito é explicitamente dito estar
baseado na presciência de Deus. E, novamente, o tipo de evidência que estamos
revendo leva muitos a crer que é especialmente a presciência da fé dos crentes
que está em vista, como aquilo que nos conforma a eleição divina. Visto que
este texto não especifica a presciência como tendo em vista pessoas, outra
opção compatível com ambas as visões arminianas de eleição toma a presciência
divina em 1 Pedro 1.2 como sendo do próprio plano de Deus para a salvação, ou
seja, que eleição é baseada no plano de Deus para salvar aqueles que creem.
Uma perspectiva arminiana não tradicional da
eleição é conhecida como eleição corporativa. Ela observa que a eleição do povo
de Deus no Antigo Testamento foi a consequência da escolha de um indivíduo que
representou o grupo, o cabeça e representante corporativo. Em outras palavras,
o grupo foi eleito no cabeça corporativo, isto é, como consequência de sua
associação com esse representante corporativo (Gn 15.18, 17.7-10,19, 21.12, 24.7,
25.23, 26.3-5, 28.13-15; Dt 4.37, 7.6-8, 10.15; Ml 1.2-3). Além disso,
indivíduos (tais como Raabe e Rute) que não eram naturalmente relacionados ao
cabeça corporativo puderam se unir ao povo escolhido e, assim, compartilhar no
cabeça pactual e no povo eleito a identidade, história, eleição e bênçãos da
aliança. Houve uma série de cabeças pactuais no Antigo Testamento – Abraão,
Isaque, e Jacó, a escolha de cada novo cabeça pactual levou a uma nova
definição do povo de Deus baseado na identidade do cabeça pactual (em adição as
referências anteriores deste parágrafo, veja Rm 9.6-13). Finalmente, Jesus
Cristo veio como o cabeça da Nova Aliança (Rm 3-4, cap. 8; Gl 3-4; Hb 9.15,
12.24) – ele é o Escolhido (Mc 1.11; 9.7; 12.6; Lc 9.35; 20.13; 23.35; Ef 1.6;
Cl 1.13; e numerosas referências a Jesus como o Cristo/Messias) – e qualquer um
unido a ele vem a compartilhar sua identidade, história, eleição, e bênçãos da
aliança (nos tornamos coerdeiros com Cristo – Rm 8.16-17; cf. Gl 3.24-29).
Portanto, a eleição é “em Cristo” (Ef 1.4), consequência da união com ele pela
fé. Assim como o povo de Deus na Antiga Aliança foi escolhido em Jacó/Israel,
assim o povo de Deus na Nova Aliança é escolhido em Cristo.
Alguns têm erroneamente tomado o apelo de Paulo em
Romanos 9 para a eleição discricionária dos primeiros cabeças pactuais como
sendo uma indicação de que a eleição de Deus para salvação é incondicional. Porém,
a eleição do cabeça pactual é única, e isso ocasiona a eleição de todos os que se
identificam com ele, ao invés de cada membro individual do povo eleito ser
escolhido como um indivíduo, para se tornar parte do povo eleito da mesma forma
como o cabeça corporativo foi escolhido. Em harmonia com essa grande ênfase em
Romanos, sobre a salvação/justificação ser pela fé em Cristo, Paulo apela para
a eleição discricionária de Deus de Isaque e Jacó, a fim de defender o direito
de Deus em fazer a eleição ter sido pela fé em Cristo em vez de obras ou de ancestralidade,
bem como sua conclusão na seção evidencia, referindo-se à situação eletiva da
justificação: “Que diremos, pois? Que os gentios, que não buscavam a
justificação, vieram a alcançá-la, todavia, a que decorre da fé; e Israel, que
buscava a lei de justiça, não chegou a atingir essa lei. Por quê? Porque não
decorreu da fé, e sim como que das obras...” (Rm 9.30-32). (Para um bom
artigo sobre Romanos 9, veja aqui)
A metáfora da oliveira por Paulo em Rm 11.17-24 dá
uma excelente figura da perspectiva da eleição corporativa. A oliveira
representa o povo escolhido de Deus. Todavia, os indivíduos são enxertados no
povo eleito e participam na eleição e suas bênçãos pela fé ou são cortados do
povo escolhido de Deus e das suas bênçãos por causa da descrença. O foco da
eleição é o povo corporativo de Deus com indivíduos participando da eleição através
da sua participação (mediante a fé) no grupo eleito, o que compreende a história
da salvação. Semelhantemente, Efésios 2.11-12 atesta que os gentios que creem
em Cristo são feitos nele parte do corpo de Israel, concidadãos com os santos,
membros da família de Deus e possuidores das alianças da promessa (2.11-22;
note especialmente os versos 12 e 19).
Embora concorde que Deus conhece o futuro,
incluindo os que crerão, a perspectiva da eleição corporativa tende a entender
as referências à presciência em Romanos 8.29 e 1 Pedro 1.1-2 como se referindo
a um conhecimento relacional prévio que equivale a reconhecer previamente ou abraçar
ou escolher pessoas como pertencendo a Deus (i.e. em relacionamento/parceria pactual).
A Bíblia, algumas vezes, menciona este tipo de conhecimento, por exemplo,
quando Jesus fala dos que nunca se submeteram verdadeiramente ao seu senhorio: “Então,
lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que
praticais a iniqüidade.” (Mt 7.23; cf. Gn 18.19, Jr 1.5, Os 13.2-5, Am 3.2,
1Co 8.3). Nessa visão, ser escolhido de acordo com a presciência significa ser
escolhido por causa da eleição prévia de Cristo e do povo corporativo de Deus
nele. “Pois aqueles [plural] que de antemão conheceu” (NVI), em Romanos
8.29, referir-se-ia à Igreja como um corpo corporativo e à sua eleição em
Cristo, tal como a sua identidade, como a legítima continuação do histórico povo
escolhido de Deus da aliança, com quem os crentes individuais compartilhariam pela
união-em-fé com Cristo e pela participação no seu povo. Tal referência é parecida
com as afirmações bíblicas ditas a Israel sobre Deus os escolhendo no passado
(i.e. a presciência sobre eles), uma eleição que a geração contemporânea estava
compartilhando (e.g., Dt 4.37, 7.6-7, 10.15, 14.2; Is 41.8-9, 44.1-2; Am 3.2).
Em cada geração, Israel poderia dizer ter sido escolhido. A igreja agora
compartilha essa eleição através de Cristo, o cabeça e mediador pactual (Rm
11.17-24; Ef 2.11-22).
Semelhantemente, ser escolhido em Cristo antes da
fundação do mundo se referiria a compartilhar a eleição de Cristo posta antes
da fundação do mundo (1Pe 1.20). Porque Cristo incorpora e representa o seu
povo, poderia ser dito que o seu povo foi escolhido quando ele o foi, assim
como poderia ser dito que a nação de Israel estava no ventre de Rebeca antes de
sua existência porque Jacó estava (Gn 25.23), que Deus amou/escolheu Israel por
ter amado/escolhido Jacó antes da nação de Israel existir (Ml 1.2-3), que Levi
pagou o dízimo a Melquisedeque em Abraão antes de Levi existir (Hb 7.9-10), que
a igreja morreu, ressuscitou e foi assentada com Cristo antes mesmo dela
existir (Ef 2.5-6; cf. Cl 2.11-14; Rm 6.1-14), e que nós (a igreja) estamos
assentados nos lugares celestiais em Cristo quando ainda não estamos
literalmente no céu, mas Cristo está. A eleição de Cristo ocasiona a eleição daqueles
que estão unidos a ele e, portanto, a nossa eleição pode ser dita como tomada
quando a dele aconteceu, mesmo antes de nós de fato estarmos unidos a ele. Isto
é, de certo modo, semelhante a como eu, enquanto americano, posso dizer que nós
(a América) vencemos a Guerra da Independência antes que eu ou qualquer outro
americano vivo hoje fosse nascido.
A visão corporativa explica por que só aqueles que,
de fato, são o povo de Deus são chamados de eleitos ou apelações semelhantes na
Escritura, e não aqueles que não pertencem a Deus, mas um dia pertencerão. No
Novo Testamento, só os crentes são identificados como eleitos. Como Romanos 8.9
afirma, “E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele.”
Semelhantemente, Romanos 11.7-24 apoia o entendimento corporativo da eleição
como se referindo somente àqueles que estão, de fato, em Cristo pela fé, em vez
de também incluir certos descrentes que foram escolhidos para crer desde a eternidade.
Porque, em Romanos 11.7 (ARC), “os outros” são os não eleitos. Mas Paulo cria
que estes que eram o “resto/remanescente” ainda podiam crer, revelando que o
eleito é um termo dinâmico que permite a saída e a entrada no eleito como
retratado na passagem da metáfora da oliveira. Visto que a eleição de
indivíduos decorre da eleição de Cristo e do povo corporativo de Deus,
indivíduos se tornam eleitos quando creem e permanecem eleitos apenas enquanto creem.
Por isso, 2 Pedro 1.10 exorta os crentes que “empenhem-se ainda mais para
consolidar o chamado e a eleição” (NVI) e o Novo Testamento está repleto de
advertências para perseverar na fé e evitar de desistir da eleição/salvação
(veja “Segurança em Cristo” abaixo; para uma introdução à visão corporativa com
links para mais fontes, veja aqui).
Sumarizando, existem duas visões diferentes de
eleição condicionada à fé. Na primeira, a eleição individual é a visão clássica,
segundo a qual Deus individualmente escolhe cada crente baseado em sua
presciência da fé de cada um e, então, predestina cada um deles à vida eterna. Na
segunda, a eleição corporativa é a principal visão alternativa, afirmando que a
eleição para salvação é primariamente da igreja como povo e abraça indivíduos
somente em união-em-fé com Cristo, o Escolhido, e como membros do seu povo.
Além disso, visto que a eleição de indivíduos decorre da eleição de Cristo e do
povo corporativo de Deus, indivíduos se tornam eleitos quando eles creem e
permanecem eleitos apenas enquanto creem. A eleição condicional é apoiada pela
Escritura com (veja a discussão acima para explanações):
1)
Afirmações diretas;
2)
A salvação pela fé;
3)
As várias expressões do
estado de eleito ser pela fé;
4)
A apresentação da eleição
como baseada na presciência de Deus, quer seja da fé humana ou equivalente à
escolha prévia de Cristo e/ou do povo de Deus como um corpo corporativo no qual
indivíduos participam pela fé;
5)
A eleição é “em Cristo”, a
qual é um estado em si mesmo condicional à fé;
6)
A linguagem da eleição é
aplicada só a crentes e não a descrentes que depois creriam;
7)
O desejo de Deus para a
salvação de todos;
8)
A provisão de expiação para
todos;
9)
A proclamação da chamada do
evangelho para todos;
10)
A atração de todos para a
fé em Cristo;
11)
O livre-arbítrio humano
(para os pontos 7-11, veja acima “A todos expiação” e “Feitos livres para crer”);
e
12)
As várias advertências
contra a desistência da fé e, portanto, do estado de eleição e sua bênção da
salvação.
A doutrina da eleição condicional centra a eleição
em Cristo a tornando condicional à união com Cristo em vez de reduzir o papel
de Cristo como sendo o meio pelo qual a eleição é efetuada. Além disso, a eleição
condicional sublinha a iniciativa graciosa de Deus, na salvação, em direção a
pessoas totalmente depravadas, e encoraja-nos à humildade e à adoração diante
da maravilhosa graça de Deus em escolher aqueles que merecem o inferno para a adoção
em sua família, salvação, e toda bênção espiritual, um dom livre recebido pela
fé (uma condição não meritória para a eleição), que custou muito para Deus, sacrificando
o seu próprio Filho para que pudesse nos escolher, e que custou muito para
Jesus Cristo, que morreu por nós, para que pudéssemos ser escolhidos por Deus.
Toda glória e louvor a Deus somente!
Segurança em Cristo (o S no FACTS) [Artigo 5 dos Cinco Artigos da
Remonstrância]
A “Segurança em Cristo” significa que a salvação de
uma pessoa é segura conquanto ela esteja em Cristo, isto é, desde que ela
creia/confie em Cristo e, portanto, permaneça em união-de-fé com Cristo. A
segurança da salvação deve estar fundamentada em Cristo, nas promessas da sua
palavra e na nossa relação de fé com ele, em vez de algum decreto divino
incognoscível pelo qual Deus diz ter escolhido determinadas pessoas para a
salvação incondicionalmente. Um decreto divino incondicional que não pode ser
conhecido até o fim da vida ou dos tempos não provê a certeza da salvação e torna
a segurança da salvação sem nenhum valor para a confiança dos crentes.
Arminianos diferem entre si sobre a natureza mais
específica da segurança da salvação. Há perguntas se o próprio Armínio cria na
possibilidade da apostasia (palavra que significa abandonar a fé) dos
verdadeiros crentes ou se ele estava indeciso sobre esta questão. Porém, a
maioria dos estudiosos concorda que Armínio cria que os verdadeiros crentes
podiam cair da fé em Cristo e, portanto, da salvação. Por outro lado, os
primeiros arminianos, conhecidos como Remonstrantes, que estiveram ao lado de
Armínio, nos debates teológicos do século XVII na Holanda, estavam em princípio
indecisos sobre se os verdadeiros crentes poderiam cometer apostasia. Contudo,
finalmente chegaram à conclusão que eles poderiam.
Tradicionalmente, arminianos creem que os verdadeiros
crentes podem abandonar a fé em Cristo e, então, perecer como descrentes, desistindo
da sua salvação, e normalmente se há incluído no rótulo teológico arminiano
esta posição doutrinária. Contudo, os fatos são que há perguntas sobre a
própria posição de Armínio, e os primeiros arminianos, juntamente com a
primeira declaração confessional da teologia arminiana que eles escreveram,
conhecida como “Os Cinco Artigos da Remonstrância”, explicitamente indicou a
incerteza sobre se a apostasia é possível para os verdadeiros crentes;
conceitualmente, isto sugere que a doutrina não é um elemento essencial da
teologia arminiana. Portanto, parece melhor classificar como arminianos aqueles
que concordam com o arminianismo em todos os outros pontos em disputa em
relação à doutrina da salvação. Mais precisamente, ainda podem ser considerados
arminianos os “arminianos de 4 pontos” ou “arminianos moderados”. Os arminianos
moderados podem usar o “S” no FACTS para articular a sua crença que a segurança
em Cristo significa, em parte, que Deus fará com que os crentes não abandonem a
sua fé e, portanto, não pereçam como descrentes. Porém, esta descrição da
doutrina arminiana da segurança/perseverança focará sobre a posição tradicional
arminiana da crença na possibilidade da apostasia, visto que esta é uma posição
arminiana não essencial, histórica e distintiva.
Todos os arminianos (sem mencionar os calvinistas
tradicionais) concordam que a perseverança na fé é necessária para a salvação
final. Na verdade, a posição de que isto é desnecessário (afirmado por aqueles
que são às vezes chamados de “calvinistas moderados”) foi praticamente
inexistente até o século XX. Talvez o que seja tão chocante é que a posição que
concorda que a perseverança na fé é necessária para a salvação final, mas
afirma que é impossível aos verdadeiros crentes se afastarem da fé, não seja
defendida por qualquer escrito cristão existente nos primeiros 1500 anos de
história da igreja! Embora tais considerações históricas não sejam decisivas em
assuntos teológicos, elas dão uma forte advertência àqueles que mantêm estas
posições tão incomuns, e também pesam a favor da posição arminiana tradicional.
O fato de que a salvação está condicionada a fé
(veja acima “A todos expiação” e “Condicional eleição”) e que está em parte
condicionada a descrença (Jo 3.16-18,36) implica que a continuidade na fé é
necessária para a salvação final. Simplesmente a declarando, crentes serão
salvos, mas descrentes irão perecer. Se alguém deixar de ser um descrente para
ser um crente, então ele será salvo; e se alguém deixar de ser um crente para
ser um descrente, então ele se perderá. Vemos este tipo de ideia muito
claramente em Ezequiel 33.13-19:
Quando eu disser ao justo que,
certamente, viverá, e ele, confiando na sua justiça, praticar iniqüidade, não
me virão à memória todas as suas justiças, mas na sua iniqüidade, que pratica,
ele morrerá. Quando eu também disser ao perverso: Certamente, morrerás; se ele
se converter do seu pecado, e fizer juízo e justiça... e andar nos estatutos da
vida, e não praticar iniqüidade, certamente, viverá; não morrerá. De todos os
seus pecados que cometeu não se fará memória contra ele; juízo e justiça fez;
certamente, viverá... Desviando-se o justo da sua justiça e praticando
iniqüidade, morrerá nela. E, convertendo-se o perverso da sua perversidade e
fazendo juízo e justiça, por isto mesmo viverá. (Compare um princípio
semelhante com relação às nações em Jr 18.7-11)
Ou como Deuteronômio 29.18-20 declara:
Cuidem que não haja entre vocês
nenhum homem ou mulher, clã ou tribo cujo coração se afaste do Senhor, o nosso
Deus, para adorar os deuses daquelas nações e para que não haja no meio de
vocês nenhuma raiz que produza esse veneno amargo. Se alguém, cujo coração se
afastou do Senhor para adorar outros deuses, ouvir as palavras deste juramento,
invocar uma bênção sobre si mesmo e pensar: “Estarei em segurança, muito embora
persista em seguir o meu próprio caminho”,... O Senhor jamais se disporá a
perdoá-lo; a sua ira e o seu zelo se acenderão contra tal pessoa. Todas as
maldições escritas neste livro cairão sobre ela, e o Senhor apagará o seu nome
de debaixo do céu. (NVI)
A palavra profética registrada em 2 Crônicas 15.2
afirma este princípio de outra forma: “Ouvi-me, Asa, e todo o Judá, e
Benjamim. O SENHOR está convosco, enquanto vós estais com ele; se o buscardes,
ele se deixará achar; porém, se o deixardes, vos deixará.”
No Novo Testamento, um princípio parecido se aplica
à fé em Cristo e à salvação. O texto de 2 Timóteo 2.12 afirma muito claramente
que, “se perseveramos, com ele [Cristo] também reinaremos. Se o
negamos, ele também nos negará;” (NVI). Em contraste com a perseguição e desilusão
espiritual, Jesus declara, “Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse
será salvo.” (Mt 23.13). De fato, um dos principais interesses de Jesus no
Sermão do Monte das Oliveiras é advertir os seus seguidores a estarem
vigilantes em perseverar com lealdade apesar das várias pressões ou tentações
para se desviarem e assim não serem excluídos do seu reino e salvação (Mt
24.4,13,23-24,26,42-51; 25.1-13,26-30). Há muitas destas advertências no Novo
Testamento, que testificam a possibilidade da apostasia, visto que não faz
sentido advertir contra impossibilidades. (A posição que a apostasia é impossível e que
as advertências asseguram que os verdadeiros crentes as obedecerão é
insustentável, porque o crente deveria saber que ele está sendo advertido
contra algo que não pode fazer e consequentemente nunca poderá experimentar, o
que anula a motivação de obedecer às advertências.) Há passagens bíblicas que
podem soar como assegurando a salvação incondicional dos crentes, de modo que
se presuma que Deus certamente fará com que os crentes não abandonem da fé.
Porém, o pensamento de que os crentes podem abandonar a fé e perder a salvação
é uma preocupação contundente no Novo Testamento, vista, em várias passagens,
quer direta ou indiretamente. Por isso, as passagens que podem parecer
incondicionais devido a elas não afirmarem explicitamente uma condição são mais
bem compreendidas, ao supor a condição da perseverança na fé e a capacidade
para abandonar a fé, em vez de supor que Deus não permitirá que o crente pare
de crer. As passagens que se referem diretamente à apostasia, aquelas que
indicam a condicionalidade ou incerteza sobre o resultado atual do crente na
salvação final, e aquelas que advertem os crentes contra o abandono de Cristo e
condenação, todas elas manifestam a possibilidade de verdadeiros crentes
naufragarem na fé.
Em Marcos 8.38, Jesus advertiu os discípulos, “Porque
qualquer que, nesta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de mim e das
minhas palavras, também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier na
glória de seu Pai com os santos anjos.” Em outro lugar ele também os advertiu,
“Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe
restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado
pelos homens.” (Mt 5.13). Em Mateus 6.15, Jesus novamente adverte, “se,
porém, não perdoardes aos homens [as suas ofensas], tampouco vosso Pai vos
perdoará as vossas ofensas.” O significado dessas advertências é ilustrado
vividamente na Parábola do Credor Incompassivo, na qual um rei perdoa o seu
servo, mas, em seguida, retira este perdão porque o servo não perdoou o seu
conservo. A conclusão da parábola é impressionante, “Então, o seu senhor,
chamando-o, lhe disse: Servo malvado, perdoei-te aquela dívida toda porque me
suplicaste; não devias tu, igualmente, compadecer-te do teu conservo, como
também eu me compadeci de ti? E, indignando-se, o seu senhor o entregou aos
verdugos, até que lhe pagasse toda a dívida. Assim também meu Pai celeste vos
fará, se do íntimo não perdoardes cada um a seu irmão.” (Mt 18.32-35). A
mensagem é clara, mesmo se os pecados de uma pessoa forem perdoados e,
portanto, esta pessoa está salva, Deus cancelará este perdão se ela não perdoar
os seus irmãos na fé, a sua salvação será revogada.
Contudo, visto que a salvação e justificação
acontecem pela fé e não por obras, e a fé produz obediência (Rm 1.5,14.23,16.26;
Gl 5.6; 1Ts 1.3; 2Ts 1.11; Hb 11; Tg 2.14-26), tais passagens não devem ser
tomadas como indicando que o pecado em si resulta na perda da salvação (embora
alguns arminianos acreditem nisso), seja por algum pecado qualquer seja por
certos pecados escandalosos. Em vez disso, a recusa em se arrepender do pecado
como alguém que foi crente e continua a professar ser crente, reflete que a
pessoa não está mais verdadeiramente confiante em Cristo como Senhor e
Salvador, e isto é abandonar a fé genuína que, de fato, leva à rejeição prática
do senhorio de Cristo e à perda da salvação, mesmo se a pessoa ainda professe a
fé em Cristo. Como Paulo afirma em Tito 1.16, há alguns que “professam
conhecê-lo; entretanto, o negam por suas obras; é por isso que são abomináveis,
desobedientes e reprovados para toda boa obra.“ De fato, Jesus declarou que
o Pai corta dele toda pessoa que não dá fruto e exortou os seus discípulos a
permanecerem nele, pois ele os levaria a dar fruto (Jo 15.1-6). Aqui temos uma
representação de alguém que está em Cristo, em estado de salvação, e depois
deixa de Cristo, i.e. deixa o estado de salvação (união com Cristo) para um
estado de perdido. Jesus declara assim em João 15.6, “Se alguém não
permanecer em mim, será lançado fora, à semelhança do ramo, e secará; e o
apanham, lançam no fogo e o queimam.”, uma representação do juízo final.
Visto que a união com Cristo e a obediência são pela fé (veja acima
“Condicional eleição” e as referências no início deste parágrafo), a
incapacidade de produzir frutos revela que a fé foi abandonada e que o Pai
remove o apóstata prático da união com Cristo. Em partes, esse é o motivo por
que Jesus exorta os seus discípulos a permanecerem nele, o que basicamente
significa continuar a confiar nele, exortação sem sentido se fosse impossível a
eles deixá-lo.
Em sua explicação da Parábola do Semeador no
Evangelho de Lucas, Jesus indica que o crer leva à salvação (Lc 8.12), porém
fala de alguns “que recebem a palavra com alegria quando a ouvem... Creem
durante algum tempo, mas desistem na hora da provação.” (Lc 8.13 NVI). Jesus também fala daqueles que produzem
frutos que não permanecem (literalmente, não amadurecem) porque eles são “sufocados
pelas preocupações, pelas riquezas e pelos prazeres desta vida” (Lc 8.7,14
NVI). Todas as respostas infiéis à palavra de Deus na parábola são contrastadas
com uma resposta fiel que persevera com fidelidade à palavra (Lc 8.15).
Claramente, reter a palavra é implicitamente recomendado pela parábola e deixar
a palavra é implicitamente condenado. Contudo, se aqueles que caíram meramente
caíram de algum tipo de fé falsa, então, isso não poderia ser apresentado como
uma coisa particularmente má. Em vez disso, a parábola adverte contra se deixar
da verdadeira fé e exorta a perseverança na mesma. Jesus diz assim ao homem que
prometeu segui-lo após se despedir da sua família, “Ninguém que, tendo posto
a mão no arado, olha para trás é apto para o reino de Deus.” (Lc 9.62).
Em Romanos 8.13 o apóstolo Paulo advertiu os
crentes, “Porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas,
se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis.” Mais
enfaticamente, em Romanos 11, dirigindo-se aos crentes gentios e contrastando-os com os judeus incrédulos,
Paulo adverte eles que Deus os cortará do seu povo se não continuarem na fé:
Bem! Pela sua incredulidade, foram
quebrados [os judeus descrentes]; tu, porém, mediante a fé, estás firme. Não te
ensoberbeças, mas teme. Porque, se Deus não poupou os ramos naturais, também
não te poupará. Considerai, pois, a bondade e a severidade de Deus: para com os
que caíram, severidade; mas, para contigo, a bondade de Deus, se nela
permaneceres; doutra sorte, também tu serás cortado. Eles também, se não
permanecerem na incredulidade, serão enxertados; pois Deus é poderoso para os
enxertar de novo. (Rm 11.20-23)
Somente a crença na possibilidade da apostasia pode
fazer justiça a esse texto. A doutrina conhecida como “segurança eterna” ou
“uma vez salvo, sempre salvo”, quer sob a forma de perseverança inevitável ou
de perseverança desnecessária, pretende convencer o crente a não temer ser
cortado do povo de Deus e da salvação por qualquer motivo. Porém, isto é
exatamente o oposto da intenção de Paulo aqui, onde ele expressamente insta os
crentes a temer serem cortados do povo de Deus por causa da incredulidade.
O próprio Paulo temia que os crentes pudessem abandonar
a Cristo e perecerem. Ele estava preocupado que as ações de alguns crentes
pudessem levar outros crentes e se extraviarem e serem destruídos (Rm
14.15,20-21; 1Co 8.9-13; cf. 3.16-17). Notavelmente, Paulo adverte os coríntios
para não perecerem por causa da incredulidade, usando o exemplo de Israel (1Co
10.1-13) e, eventualmente, declarando, “Aquele, pois, que pensa estar em pé
veja que não caia.” (1Co 10.12). Ele já havia advertido, “Ou não sabeis
que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros,
nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem
avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de
Deus.” (1Co 6.9-10). Disse ainda mais aos coríntios, “Irmãos, venho
lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o qual recebestes e no qual ainda
perseverais; por ele também sois salvos, se retiverdes a palavra tal como vo-la
preguei, a menos que tenhais crido em vão.” (1Co 15.1-2). Posteriormente, quando eles tinham caído sob
a influência dos falsos mestres (por exemplo, mencionados em 2Co 11.1-6,12-15),
Paulo lhes disse:
Porque zelo por vós com zelo de Deus;
visto que vos tenho preparado para vos apresentar como virgem pura a um só
esposo, que é Cristo. Mas receio que, assim como a serpente enganou a Eva com a
sua astúcia, assim também seja corrompida a vossa mente e se aparte da
simplicidade e pureza devidas a Cristo. Se, na verdade, vindo alguém, prega
outro Jesus que não temos pregado, ou se aceitais espírito diferente que não tendes
recebido, ou evangelho diferente que não tendes abraçado, a esse, de boa mente,
o tolerais. (2Co 11.2-4)
Ele também os exortou a que “não recebais em vão
a graça de Deus” (2Co 6.1), e a que “Examinai-vos a vós mesmos se
realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não reconheceis que Jesus
Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados. Mas espero reconheçais
que não somos reprovados.” (2Co 13.5-6). Paulo ainda orou para a
restauração deles (2Co 13.9).
Um dos principais propósitos da epístola de Paulo
aos crentes da Galácia era de persuadi-los a não deixarem Cristo para um falso
evangelho. Parece que eles estavam em um processo de fazer exatamente isso,
assim, pela epístola, Paulo discute com emergência e com paixão para
resgatá-los deste caminho desastroso. No início da epístola, ele exclama, “Admira-me
que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo
para outro evangelho” (Gl 1.6), o assunto é tão sério que Paulo exclama
ainda, “Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue
evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema. Assim, como já
dissemos, e agora repito, se alguém vos prega evangelho que vá além daquele que
recebestes, seja anátema.” (Gl 1.8-9). Paulo estava profundamente
preocupado com a alma dos cristãos gálatas, a ponto de gritar, “Ó gálatas
insensatos! Quem vos fascinou...?” (Gl 3.1). A insensatez deles estava em
deixar a fé para as obras a fim de possuir o Espírito e a filiação no povo de
Deus (Gl 3.2-6), o que tornaria o seu sofrimento pela fé vã (Gl 3.4), visto que
abandonariam a salvação se continuassem. Por isto, Paulo lembrou-lhes que “Todos
quantos, pois, são das obras da lei estão debaixo de maldição” (Gl 3.10) e,
assim pergunta, “mas agora que conheceis a Deus ou, antes, sendo conhecidos
por Deus, como estais voltando, outra vez, aos rudimentos fracos e pobres, aos
quais, de novo, quereis ainda escravizar-vos?” (Gl 4.9). Ele se refere a
estes crentes como “meus filhos, por quem, de novo, sofro as dores de parto,
até ser Cristo formado em vós” (Gl 4.19) e afirma claramente que estava
perplexo ao seu respeito (Gl 4.20). Alguns deles queriam estar sob a lei (Gl
4.21).
Em Gálatas 5.1-4, Paulo deixa absolutamente claro
que os verdadeiros crentes (a quem as suas palavras foram dirigidas) podiam
deixar a fé e a graça, e por fim não serem beneficiados por Cristo (i.e. não
serem salvos):
Para a liberdade foi que Cristo nos
libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de
escravidão. Eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes circuncidar, Cristo de
nada vos aproveitará. De novo, testifico a todo homem que se deixa circuncidar
que está obrigado a guardar toda a lei. De Cristo vos desligastes, vós que
procurais justificar-vos na lei; da graça decaístes. (Gl 5.1-4)
No versículo 1, não haveria razão para Paulo exortar
os cristãos gálatas a não se submeterem novamente ao jugo da escravidão se não
fosse possível a eles isto. Nem faria sentido em Gálatas 5.2 ele os advertir
que aceitar a circuncisão não lhes traria nenhum aproveitamento em Cristo, o
que significa que não haveria salvação. Surpreendentemente, em Gálatas 5.4,
Paulo afirma que alguns cristãos gálatas foram desligados de Cristo, o que
descreve a queda deles da graça. Seria difícil imaginar uma expressão sucinta
mais clara que descreva o abandono da relação salvífica com Cristo, porém Paulo
buscou ganhar aqueles que deixaram da fé bem como advertiu outros a não
seguirem o mesmo caminho de condenação. A situação da igreja da Galácia se
dirigiu para abraçar um falso evangelho e alguns deles já tinham feito isto,
assim Paulo disse, “Vós corríeis bem; quem vos impediu de continuardes a
obedecer à verdade? Esta persuasão não vem daquele que vos chama.” (Gl
5.7-8).
Após listar as obras da carne (Gl 5.19-21), Paulo
adverte os crentes gálatas mais uma vez, “como já, outrora, vos preveni, que
não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam.” (Gl 5.21). E em
seguida novamente, “Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que
o homem semear, isso também ceifará. Porque o que semeia para a sua própria
carne da carne colherá corrupção; mas o que semeia para o Espírito do Espírito
colherá vida eterna. E não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos,
se não desfalecermos.” (Gl 6.7-9). Paulo fez um tipo de advertência similar
em Efésios 5.5-7, “Sabei, pois, isto: nenhum incontinente, ou impuro, ou
avarento, que é idólatra, tem herança no reino de Cristo e de Deus. Ninguém vos
engane com palavras vãs; porque, por essas coisas, vem a ira de Deus sobre os
filhos da desobediência. Portanto, não sejais participantes com eles.” Note
que, nessas duas últimas citações, há uma advertência que não pode ser negada
sobre esse assunto, como se Paulo estivesse contrariando o ensinamento que os
crentes não podem de fato deixar a fé e viver em pecado ou que crentes podem
viver em pecado e ainda assim serem salvos. O próprio fato de Paulo advertir os
crentes contra essas coisas implica que eles podem cair nelas e experimentar as
consequências indicadas.
A Epístola aos Colossenses também é dirigida aos
crentes que estavam enfrentando um falso ensinamento e correndo risco de
abandonar o verdadeiro evangelho. Portanto, Paulo orou pela perseverança deles
(Cl 1.11) e ressaltou que a presente reconciliação com Deus se apresentará na
aceitação final “se é que permaneceis na fé, alicerçados e firmes, não vos
deixando afastar da esperança do evangelho que ouvistes e que foi pregado a
toda criatura debaixo do céu, e do qual eu, Paulo, me tornei ministro.” (Cl
1.23; cf. 1Tm 2.15). Além disso, ele os exortou a continuar caminhando com
Cristo como seu Senhor (Cl 2.6) e os advertiu, “Cuidado que ninguém vos
venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos
homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo” (Cl 2.8).
Quanto à igreja dos tessalonicenses, Paulo estava
muito preocupado que eles pudessem abandonar a fé por causa da perseguição, o
que faria pouco sentido se ele pensasse que Deus não iria deixá-los abandonar a
fé. Assim, Paulo relatou a eles:
Pelo que, não podendo suportar mais o
cuidado por vós, pareceu-nos bem ficar sozinhos em Atenas; e enviamos nosso
irmão Timóteo, ministro de Deus no evangelho de Cristo, para, em benefício da
vossa fé, confirmar-vos e exortar-vos, a fim de que ninguém se inquiete com
estas tribulações. Porque vós mesmos sabeis que estamos designados para isto;
pois, quando ainda estávamos convosco, predissemos que íamos ser afligidos, o
que, de fato, aconteceu e é do vosso conhecimento. Foi por isso que, já não me
sendo possível continuar esperando, mandei indagar o estado da vossa fé,
temendo que o Tentador vos provasse, e se tornasse inútil o nosso labor. (1Ts
3.1-5)
Posteriormente, Paulo os exortou, “Assim, pois,
irmãos, permanecei firmes e guardai as tradições que vos foram ensinadas, seja
por palavra, seja por epístola nossa.” (2Ts 2.15), o que seria
desnecessário se eles não pudessem deixar de estar firmes (cf. Ef 6.10-18).
Paulo advertiu Timóteo contra os falsos mestres que
tinham se desviado do “amor que procede de coração puro, e de consciência
boa, e de fé sem hipocrisia” (1Tm 1.5-6) e ao fazer isto “Alguns se
desviaram dessas coisas, voltando-se para discussões inúteis,” (1Tm 1.6 NVI),
aparentemente eram homens que tinham sido verdadeiros crentes, mas haviam se
desviado. De fato, Paulo menciona a Timóteo que alguns, por rejeitarem uma boa
consciência, “vieram a naufragar na fé. E dentre esses se contam Himeneu e
Alexandre, os quais entreguei a Satanás, para serem castigados, a fim de não
mais blasfemarem.” (1Tm 1.19-20). Mas não pode haver naufrágio na fé se
nunca houve fé para naufragar. Himeneu e Alexandre são exemplos problemáticos
relatados por Paulo em 1 Timóteo 4.1-2, “Ora, o Espírito afirma
expressamente que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem
a espíritos enganadores e a ensinos de demônios, pela hipocrisia dos que falam
mentiras e que têm cauterizada a própria consciência.” Até mesmo um dos
cooperadores de Paulo, Demas, abandonou o Senhor por amor do mundo (2Tm 4.10;
cf. Cl 4.14; Fm 24). Uma das coisas que leva os crentes a deixarem a fé é o
amor ao dinheiro, “Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e
cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam
os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os
males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram
com muitas dores.” (1Tm 6.9-10). Outra causa da apostasia mencionada por
Paulo a Timóteo é o falso conhecimento (1Tm 6.20-21). Ele ainda precisou
advertir Timóteo para se guardar contra essas coisas, “Timóteo, guarde bem
aquilo que foi entregue aos seus cuidados. Evite os falatórios que ofendem a
Deus e as discussões tolas a respeito daquilo que alguns, de modo errado,
chamam de ‘conhecimento’. Algumas pessoas, afirmando que tinham esse
‘conhecimento’, se desviaram do caminho da fé.” (1Tm 6.20-21 NTLH). De
fato, Timóteo recebeu a instrução, “Combate o bom combate da fé. Toma posse
da vida eterna, para a qual também foste” (1Tm 6.12) e também que os
crentes ricos deveriam ser generosos com o seu dinheiro “a fim de se
apoderarem da verdadeira vida.” (1Tm 6.18-19). Até mesmo Timóteo precisava
ser exortado, “permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado”
(2Tm 3.14), e “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Continua nestes
deveres; porque, fazendo assim, salvarás tanto a ti mesmo como aos teus
ouvintes.” (1Tm 4.16). Em relação a esse assunto, Paulo não somente
aconselhou os coríntios a exercer total foco e grande autodisciplina em buscar
a vida eterna, mas falou da sua necessidade para a mesma, a fim de que ele
próprio não fosse desqualificado da vida eterna:
Não sabeis vós que os que correm no
estádio, todos, na verdade, correm, mas um só leva o prêmio? Correi de tal
maneira que o alcanceis. Todo atleta em tudo se domina; aqueles, para alcançar
uma coroa corruptível; nós, porém, a incorruptível. Assim corro também eu, não
sem meta; assim luto, não como desferindo golpes no ar. Mas esmurro o meu corpo
e o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo a
ser desqualificado. (1Co 9.24-27)
O principal propósito da Epístola aos Hebreus é
encorajar a sua audiência cristã a não abandonar a fé em Cristo, mas perseverar
nela. Advertências contra a apostasia permeiam a epístola (2.1-4, 3.7-4.13, 5.11-6.12,
10.19-39; 12.1-29). Aqui há alguns versículos representativos:
·
Por esta razão, importa que nos apeguemos, com mais
firmeza, às verdades ouvidas, para que delas jamais nos desviemos. Se, pois, se
tornou firme a palavra falada por meio de anjos, e toda transgressão ou
desobediência recebeu justo castigo, como escaparemos nós, se negligenciarmos
tão grande salvação? (Hb 2.1-3)
·
Cristo, porém, como Filho, em sua casa; a qual casa
somos nós, se guardarmos firme, até ao fim, a ousadia e a exultação da
esperança. (Hb 3.6)
·
Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em
qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do Deus vivo;
pelo contrário, exortai-vos mutuamente cada dia, durante o tempo que se chama
Hoje, a fim de que nenhum de vós seja endurecido pelo engano do pecado. Porque
nos temos tornado participantes de Cristo, se, de fato, guardarmos firme, até
ao fim, a confiança que, desde o princípio, tivemos. Enquanto se diz: Hoje, se
ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração, como foi na provocação. (Hb
3.12-15)
·
Esforcemo-nos, pois, por entrar naquele descanso, a
fim de que ninguém caia, segundo o mesmo exemplo de desobediência. (Hb 4.11 -
cair aqui se refere ao contexto de cair sob o julgamento de Deus por causa da
descrença, veja 3.16-4.3)
·
Tendo, pois, a Jesus, o Filho de Deus, como grande
sumo sacerdote que penetrou os céus, conservemos firmes a nossa confissão. (Hb
4.14)
·
É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram
iluminados, e provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito
Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e
caíram, sim, é impossível outra vez renová-los para arrependimento, visto que,
de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à
ignomínia. (Hb 6.4-6)
·
Desejamos, porém, continue cada um de vós mostrando,
até ao fim, a mesma diligência para a plena certeza da esperança; para que não
vos torneis indolentes, mas imitadores daqueles que, pela fé e pela
longanimidade, herdam as promessas. (Hb 6.11-12)
·
Por isso, Deus, quando quis mostrar mais firmemente
aos herdeiros da promessa a imutabilidade do seu propósito, se interpôs com
juramento, para que, mediante duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que
Deus minta, forte alento tenhamos nós que já corremos para o refúgio, a fim de
lançar mão da esperança proposta; (Hb 6.17-18)
·
Guardemos firme a confissão da esperança, sem vacilar,
pois quem fez a promessa é fiel. (Hb 10.23)
·
De quanto mais severo castigo julgais vós será
considerado digno aquele que calcou aos pés o Filho de Deus, e profanou o
sangue da aliança com o qual foi santificado, e ultrajou o Espírito da graça?
Ora, nós conhecemos aquele que disse: A mim pertence a vingança; eu
retribuirei. E outra vez: O Senhor julgará o seu povo. Horrível coisa é cair
nas mãos do Deus vivo. Lembrai-vos, porém, dos dias anteriores, em que, depois
de iluminados, sustentastes grande luta e sofrimentos; ora expostos como em espetáculo,
tanto de opróbrio quanto de tribulações, ora tornando-vos co-participantes com
aqueles que desse modo foram tratados. Porque não somente vos compadecestes dos
encarcerados, como também aceitastes com alegria o espólio dos vossos bens,
tendo ciência de possuirdes vós mesmos patrimônio superior e durável. Não
abandoneis, portanto, a vossa confiança; ela tem grande galardão. Com efeito,
tendes necessidade de perseverança, para que, havendo feito a vontade de Deus,
alcanceis a promessa. Porque, ainda dentro de pouco tempo, aquele que vem virá
e não tardará; todavia, o meu justo viverá pela fé; e: Se retroceder, nele não
se compraz a minha alma. Nós, porém, não somos dos que retrocedem para a
perdição; somos, entretanto, da fé, para a conservação da alma. (Hb 10.29-39,
note que o verso 38 fala de um crente, que é justificado pela fé, retrocedendo da
fé e voltando a desagradar a Deus, a consequência disso é equivalente à perdição
em contraste com a perseverança na fé que dá a salvação à alma.)
·
Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão
grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que
tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está
proposta, olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus, o qual, em
troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da
ignomínia, e está assentado à destra do trono de Deus. Considerai, pois,
atentamente, aquele que suportou tamanha oposição dos pecadores contra si
mesmo, para que não vos fatigueis, desmaiando em vossa alma. (Hb 12.1-3)
·
Por isso, restabelecei as mãos descaídas e os joelhos
trôpegos; e fazei caminhos retos para os pés, para que não se extravie o que é
manco; antes, seja curado. (Hb 12.12-13)
·
atentando, diligentemente, por que ninguém seja
faltoso, separando-se da graça de Deus; nem haja alguma raiz de amargura que,
brotando, vos perturbe, e, por meio dela, muitos sejam contaminados; nem haja
algum impuro ou profano, como foi Esaú, o qual, por um repasto, vendeu o seu
direito de primogenitura. Pois sabeis também que, posteriormente, querendo
herdar a bênção, foi rejeitado, pois não achou lugar de arrependimento, embora,
com lágrimas, o tivesse buscado. (Hb 12.15-17)
·
Tende cuidado, não recuseis ao que fala. Pois, se não
escaparam aqueles que recusaram ouvir quem, divinamente, os advertia sobre a
terra, muito menos nós, os que nos desviamos daquele que dos céus nos adverte,
(Hb 12.25)
A Epístola de Tiago
também testifica a possibilidade e o perigo da apostasia, “Meus irmãos, se
algum entre vós se desviar da verdade, e alguém o converter, sabei que aquele
que converte o pecador do seu caminho errado salvará da morte a alma dele e
cobrirá multidão de pecados.” (Tg 5.19-20). Essa declaração se destina a
crentes (“irmãos”) e considera possível que alguns deles poderiam se desviar da
verdade, o que resultaria em uma morte espiritual para o errante, a menos que
ele se arrependesse.
A Primeira Epístola
de Pedro 1.5 dá uma compreensão da natureza da segurança cristã da salvação –
condicional a fé. Ela nos fala, “que sois guardados pelo poder de Deus,
mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo.”
Por isso, a doutrina bíblica da segurança da salvação é mais bem descrita como
condicional, em vez de incondicional ou inevitável. Como verdadeiros crentes em
Deus, o Senhor guarda a sua salvação. Porém, vemos que se o crente parar de
confiar no Senhor, então o Senhor removerá a sua salvação. Assim, Pedro exortou
a sua audiência cristã, “Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso
adversário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para
devorar; resisti-lhe firmes na fé, certos de que sofrimentos iguais aos vossos
estão-se cumprindo na vossa irmandade espalhada pelo mundo.” (1Pe 5.8-9).
O apóstolo, em 2
Pedro 1.5-11, exortou a sua audiência cristã a crescer nas virtudes piedosas
porque, ao fazer isto, poderiam evitar de tropeçar e assim deixar de entrar no
reino eterno de Cristo. É nesse contexto que Pedro dá uma exortação notável, “Portanto,
irmãos, empenhem-se ainda mais para consolidar o chamado e a eleição de vocês” (2Pe
1.10a NVI). O texto desta exortação não foi escrito para nos fazer ter certeza
do nosso chamado e eleição, mas para consolidarmos/confirmarmos o nosso chamado
e eleição, o que está vinculado ao não tropeçar e indica ser acompanhado pela
prática das virtudes cristãs que tinham sido ditas por Pedro que iriam manter
os seus leitores seguros, porque “se agirem dessa forma, jamais tropeçarão”
(2Pe 1.10b NVI).
Pedro emprega boa
parte da sua segunda epístola advertindo a sua audiência cristã sobre os falsos
mestres e o seu ensino destruidor (2Pe 2-3), os quais abandonaram “o reto
caminho” e “se extraviaram” (2Pe 2.15), “porquanto, proferindo palavras
jactanciosas de vaidade, engodam com paixões carnais, por suas libertinagens,
aqueles que estavam prestes a fugir dos que andam no erro” (2Pe 2.18). Isto
implica na tentação de crentes genuínos, uma vez que estão escapando – ainda
que inadequadamente – daqueles que vivem no erro. Infelizmente, Pedro advertiu
que “muitos seguirão as suas práticas libertinas” (2Pe 2.2). A
advertência de Pedro é de fato grave:
Portanto, se, depois de terem escapado das contaminações do
mundo mediante o conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, se deixam
enredar de novo e são vencidos, tornou-se o seu último estado pior que o
primeiro. Pois melhor lhes fora nunca tivessem conhecido o caminho da justiça
do que, após conhecê-lo, volverem para trás, apartando-se do santo mandamento
que lhes fora dado. Com eles aconteceu o que diz certo adágio verdadeiro: O cão
voltou ao seu próprio vômito; e: A porca lavada voltou a revolver-se no
lamaçal. (2Pe 2.20-22)
Essa advertência se
refere aos crentes que se extraviaram, visto “terem escapado das contaminações
do mundo mediante o conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2Pe
2.20; cf. 1.4,8).
A Epístola de Judas
também se dedica a advertir os crentes contra os falsos ensinamentos e os
encoraja a resistir e perseverar na verdade. Após descrever os falsos mestres e
o divino julgamento que recai sobre eles, Judas exorta a sua audiência cristã, “Vós,
porém, amados, edificando-vos na vossa fé santíssima, orando no Espírito Santo,
guardai-vos no amor de Deus, esperando a misericórdia de nosso Senhor Jesus
Cristo, para a vida eterna.” (Jd 1.20-21). Não haveria razão para advertir
e exortar genuínos crentes para se manter no amor de Deus e esperar na
misericórdia de Cristo para a vida eterna à face do falso ensinamento, se eles
não poderiam abandonar o amor de Deus e nem desistir da misericórdia de Cristo.
O Livro de Apocalipse
é mais um livro do Novo Testamento que tem como um dos seus principais
objetivos, exortar aos seus leitores a perseverar na fé. As sete igrejas
abordadas pelo livro estavam pressionadas a deixar ou a comprometer a sua fé
devido a várias tentações. Embora todo o livro traga esta preocupação (veja
e.g., Ap 13.10, 14.12), isto surge mais claramente nas cartas às sete igrejas
nos capítulos 2 e 3. Cada uma das igrejas é exortada a ser fiel a Cristo e é
prometida a vida eterna (descrita de várias formas) se forem fiéis até o fim. A
implicação clara é que elas não serão salvas se não forem fiéis a Cristo sendo
possível ser infiel e perecer.
Por exemplo, para a
igreja de Éfeso é prometido, “Ao vencedor, dar-lhe-ei que se alimente da
árvore da vida que se encontra no paraíso de Deus.” (Ap 2.7b). A implicação
óbvia é que, a quem não vencer (i.e. não ser fiel a Jesus, cf. Ap 12.11, 15.2;
1Jo 5.4-5), não será permitido comer da árvore da vida (i.e. não ganhará a vida
eterna). Para a igreja de Esmirna é prometido, “Sê fiel até à morte, e
dar-te-ei a coroa da vida... O vencedor de nenhum modo sofrerá dano da segunda
morte.” (Ap 2.10-11). A implicação óbvia é que, a quem não é fiel até a
morte, não será dada a coroa da vida e quem não for vencedor sofrerá dano da
segunda morte. Semelhantemente, para a igreja de Sardes é prometido, “O
vencedor será assim vestido de vestiduras brancas, e de modo nenhum apagarei o
seu nome do Livro da Vida; pelo contrário, confessarei o seu nome diante de meu
Pai e diante dos seus anjos.” (Ap 3.5). A implicação óbvia é que quem não
vencer não será vestido com vestiduras brancas, será apagado do livro da
vida e não será confessado diante do Pai e dos anjos. A referência ao apagar
do livro da vida é especialmente ilustrativa sobre a questão da segurança da
salvação. Para apagar o nome do livro da vida, requer que o nome estivesse no
livro e que a pessoa identificada pelo nome estivesse salva. Portanto, apagar
do livro indica a remoção da salvação e da vida eterna.
Muitas igrejas também
são explicitamente ameaçadas com o julgamento se não forem fiéis a Cristo. Por
exemplo, Cristo disse a igreja de Éfeso, “venho a ti e moverei do seu lugar
o teu candeeiro, caso não te arrependas.” (Ap 2.5). Mover o candeeiro de
uma igreja é uma figura para a remoção da sua identidade como povo de Deus, uma
transferência para o estado de não salvo. Mais vividamente, Cristo ameaçou a
igreja de Laodiceia, “porque és morno e nem és quente nem frio, estou a
ponto de vomitar-te da minha boca” (Ap 3.16), uma ameaça àqueles que estão
em Cristo de os expulsar dele para um estado de não salvos.
Próximo ao final de
Apocalipse, Jesus dá uma séria advertência, “e, se alguém tirar qualquer
coisa das palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore
da vida, da cidade santa e das coisas que se acham escritas neste livro.” (Ap
22.19). Essa advertência parece ser dirigida principalmente a crentes, visto
que a audiência original do livro era, de fato, crente. Ela inclui
provavelmente descrentes de uma forma secundária, o que apoia a eleição
condicional, graça resistível e a expiação ilimitada porque, para as pessoas
terem uma participação no céu que lhes é tirada, deve, no mínimo, significar
que o céu era genuinamente acessível a eles através de uma genuína oportunidade
de crer e de ser salvo. Porém, a advertência foi originalmente e principalmente
para crentes, o que apoia a segurança condicional, por advertir àqueles que
estão destinados ao céu contra a perda desse destino por “tirar qualquer
coisa das palavras do livro desta profecia”.
Apesar de toda essa
preocupação e advertência, no Novo Testamento, a respeito da apostasia e da
perda da salvação, os crentes tem bons motivos para uma forte segurança da
salvação. Antes de explicar o porquê, seria útil atentar ao fato de que o Novo
Testamento fala de salvação em três tempos – passado, presente e futuro. Os
crentes foram salvos no passado quando primeiramente colocaram a sua confiança
em Cristo e vieram a participar da salvação que ele realizou na cruz (também se
pode dizer que fomos salvos quando Jesus morreu e ressuscitou da mesma forma
que pode ser dito que um time venceu um jogo antes dele acabar quando alcança
uma pontuação muito alta). Assim, a Escritura fala de crentes tendo sido salvos
no passado (Rm 8.4; Ef 2.5,8; 2Tm 1.8-9; Tt 3.4-7). Mas, também fala de crentes
sendo salvos no presente (1Co 1.18, 15.2; 2Co 2.15) ou desfrutando um estado
presente de salvação (Ef 2.5,8; a construção grega nesses versos indica um
estado presente de salvação resultante de uma salvação no passado), visto que
desfrutar de numerosas bênçãos espirituais de Deus no presente, tal como
aquelas discutidas acima na “Condicional Eleição” e santificação, são um
contínuo processo presente de crescimento em Cristo e na conformidade à sua
imagem (Rm 6.12-23, 12.1-2; 2Co 3.18; Ef 4.21-24; Fl 3.12-14). Contudo, nós
ainda não possuímos essas bênçãos da salvação em sua plenitude. Este é o bem
conhecido conceito do “já” e do “ainda não”, ou seja, que possuímos as bênçãos
da salvação de Deus agora somente em parte, mas que iremos recebê-las em sua
plenitude quando Cristo retornar, trazendo, de modo culminante, o reino de Deus
e nosso estado eterno. Portanto, o Novo Testamento também fala da salvação
futura (Rm 5.9-10, 6.22, 8.11,13,16-19,23-25, 13.11; Gl 5.5; Fl 3.10-11,20-21;
1Ts 1.10, 5.9; Hb 9.28; 1Pe 1.5), quando os crentes serão plenamente e
finalmente salvos, no futuro, quando Jesus retornar.
O fato de que a
salvação plena e final está por vir no futuro nos ajuda a explicar por que a
perseverança na fé é necessária. O fato de que também há uma substancial
experiência, ainda que parcial, de salvação no passado e no presente ajuda a
explicar por que os crentes podem ter uma forte garantia de salvação. Primeiro,
podemos ter plena segurança da salvação passada e presente (1Jo 5.13). Se uma
pessoa crê, então ela pode saber que foi salva e é salva de acordo com as
várias promessas da Escritura, que Deus salva aquele que crê (veja as muitas
referências em “Condicional eleição”). (Isso representa um sério problema para
a posição da perseverança inevitável, que sustenta que verdadeiros crentes não
podem abandonar a Cristo, e, portanto, que crentes professos que caíram nunca
foram verdadeiros crentes ou salvos. Pois, se alguém pode parecer ser um
verdadeiro crente para si mesmo e para os crentes ao seu redor, mas, em
seguida, cair e se mostrar nunca ter sido um verdadeiro crente, como poderíamos
saber se somos crentes genuínos ou se não estamos simplesmente exibindo uma fé
falsa que, verdadeiramente, estamos perdidos e que algum o demonstraremos?)
Além disso, a nossa salvação no presente traz toda sorte de bênçãos divinas no
presente, destinadas a se cumprir quando Cristo voltar, as quais, de fato, se
cumprirão, enquanto o crente perseverar na fé. Essas, grandemente, nos incentivam
e capacitam à perseverança na fé. De fato, Deus protege o nosso relacionamento
de fé com ele de qualquer força irresistivelmente arrebatadora, que nos distanciaria
de Cristo ou da nossa fé (Jo 10.27-29; Rm 8.31-39: 1Co 10.13), ele nos preserva
na salvação enquanto confiamos em Cristo (1Pe 1.3-5 e as muitas passagens que
foram mencionadas nesse artigo sobre a salvação ser condicional a fé). Assim
como o Espírito Santo nos capacita a crer em crer em Cristo (veja acima “Feito
livre pela graça”), ele também nos capacita a continuar crendo em Cristo (Gl
5.16-25; Ef 3.14-21; cf. 1Co 10.13). Além disso, visto que Cristo morreu por
todos (veja acima “A todos expiação”), podemos saber que Cristo morreu por nós,
que Deus é por nós e que Ele é a nossa salvação (ao contrário de uma teologia
que mantém a eleição incondicional, a graça irresistível e a expiação
ilimitada, o que logicamente permite saber quem é eleito e que Cristo morreu só
depois dele ter perseverado até o fim).
Assim, os crentes
podem ter uma sólida e robusta segurança da salvação, embora não uma segurança
absoluta e incondicional. Enquanto alguns podem achar isso preocupante, a falsa
segurança é muito mais preocupante e perigosa, pois potencialmente leva os
crentes a ignorar a assistência que é necessária para a perseverança, e assim
se afaste e pereça. Isso é parecido quando uma pessoa acha que o fogo não pode
queimá-la, ela está muito mais propensa a brincar com o fogo e se queimar. Além
disso, há raramente uma segurança incondicional em qualquer coisa na vida, e ainda
assim as pessoas frequentemente têm grande segurança apesar da ausência de uma
garantia incondicional. No cotidiano, as pessoas frequentemente têm uma
segurança substancial do futuro benefício que é, no entanto, condicional a sua
continuidade em cumprir a condição para o benefício futuro, tal como a
continuidade em consentir em recebê-la. Semelhantemente, os crentes podem ter
plena segurança da salvação passada e presente e substancial segurança da
salvação final, que é contingente à continuidade em cumprir a condição para a
salvação final, a saber, a fé. Maravilhosamente, Deus promete aos verdadeiros
crentes a capacidade de perseverar na fé e que nada poderá separá-los dele. Em
relação à salvação presente, temos a absoluta segurança que Deus nos capacitará
a perseverar até a salvação final e que Deus é por nós. Ele simplesmente não
garantirá que nos fará perseverar irresistivelmente. Assim como a graça de Deus
é resistível antes de nós termos crido (veja acima “Feito livre pela graça”),
ela também continua a ser resistível após termos crido – e sempre maravilhosa!
“Ora, àquele que é
poderoso para vos guardar de tropeços e para vos apresentar com exultação,
imaculados diante da sua glória, ao único Deus, nosso Salvador, mediante Jesus Cristo,
Senhor nosso, glória, majestade, império e soberania, antes de todas as eras, e
agora, e por todos os séculos. Amém!” (Jd 1.24-25)
Tradução de Luís
Henrique de Souza da Silva
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