Wesley sobre Atos
13.48
Por Godismyjudge
Eu não era um
grande fã da interpretação de Wesley de Atos 13.48, mas ultimamente tenho sido
levado a admirar a sua simplicidade. Wesley não entra em debates sobre voz
passiva vs. média, em disputa sobre a tradução de tasso como ordenar vs.
dispor, ou em discussões sobre o significado de com ou sem o pronome reflexivo.
Ele é apenas reto e vai direto ao ponto. Aqui está a passagem e o comentário de
Wesley:
E, no sábado seguinte, ajuntou-se quase
toda a cidade a ouvir a palavra de Deus. Então, os judeus, vendo a multidão,
encheram-se de inveja e, blasfemando, contradiziam o que Paulo dizia. Mas Paulo
e Barnabé, usando de ousadia, disseram: Era mister que a vós se vos pregasse
primeiro a palavra de Deus; mas, visto que a rejeitais, e vos não julgais
dignos da vida eterna, eis que nos voltamos para os gentios. Porque o Senhor
assim no-lo mandou: Eu te pus para luz dos gentios, para que sejas de salvação
até aos confins da terra. E os gentios, ouvindo isto, alegraram-se e
glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos quantos estavam ordenados para
a vida eterna. (At 13.44-48 ARC)
Todos quantos estavam ordenados para
a vida eterna – São Lucas não diz
pré-ordenados. Ele não está falando daquilo que aconteceu na eternidade, mas
daquilo que aconteceu mediante a pregação do Evangelho. Ele está descrevendo
essa ordenação, e ela somente, que estava no tempo exato de ser ouvida. Durante
o sermão creram, disse o apóstolo, aqueles a quem Deus deu o poder para crer.
Seria como se ele tivesse dito: “Creram aqueles cujos corações o Senhor abriu”.
Em outro lugar, claramente paralela a esta passagem, ele fala do mesmo tipo de
ordenação (At 16.14-15). Pode-se observar que a palavra original não é usada
sequer uma vez na Escritura para expressar qualquer tipo de predestinação eterna.
Em suma, todos aqueles e somente aqueles, que foram imediatamente ordenados,
imediatamente creram. Não que Deus tenha rejeitado os outros, era sua vontade
que eles fossem salvos, mas eles rejeitaram a salvação. Nem foram os que creram
obrigados a crer. Mas, primeiramente, a graça lhes foi oferecida copiosamente.
E eles não a rejeitaram, de modo que até uma grande multidão de gentios se
converteram. Resumindo, a própria expressão implica numa ação presente da graça
de Deus operando fé nos ouvintes. (link)
Os calvinistas
entendem essa passagem como uma predestinação divina a eternidade, já os
arminianos entendem como a operação da graça preveniente naquele momento.
Wesley traz de forma rápida e clara as três melhores razões em favor da visão
arminiana:
1.
A palavra original (gr. tasso) não é usada sequer uma vez
na Escritura para expressar qualquer tipo de predestinação eterna – Tasso
seria uma palavra incomum para significar predestinação. Προορίζω (gr. proorizo)
seria mais comum. De fato, isto seria o único uso de tasso com este
sentido dentre as oito ocorrências dela no Novo Testamento e 65 no Antigo
Testamento (usando a LXX). Além disso, tasso está no mais-que-perfeito,
o que seria um tempo estranho para a predestinação; seria de se esperar algo
mais definitivo, como um tempo aoristo ou perfeito para predestinação.
2.
Ele não está falando daquilo que aconteceu na
eternidade, mas daquilo que aconteceu mediante a pregação do Evangelho – No grego, quando se junta um particípio perfeito
com o verbo “ser/estar” no imperfeito se obtém um mais-que-perfeito
perifrástico. Nesse versículo ησαν é um verbo “ser/estar” no imperfeito e
τεταγμενοι é um particípio perfeito, então temos um mais-que-perfeito. A
situação temporal para o mais que perfeito é derivado do seu contexto. Os
gentios foram ordenados à vida eterna quando ouviram o evangelho e o receberam
com alegria. A “eternidade passada” não está no contexto e aparece mais como
uma exceção, fora da narrativa histórica, o que é um problema para os
calvinistas visto que o mais-que-perfeito deriva a sua situação temporal a
partir da narrativa.
3.
Não que Deus tenha rejeitado os outros, era sua
vontade que eles fossem salvos, mas eles rejeitaram a salvação – O versículo 48 e 46 são paralelos: “alegraram-se e
glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos quantos estavam ordenados para
a vida eterna.” Do versículo 48 corresponde ao versículo 46 “mas, visto que a
rejeitais, e vos não julgais dignos da vida eterna”. A interpretação calvinista
é assimétrica e a interpretação arminiana é simétrica.
Finalmente, Wesley
antecipa e prevê uma objeção. Se os calvinistas se retratarem da sua posição
que a passagem ensina predestinação e passarem a afirmar que a passagem ensina
graça irresistível? Será que a passagem ensina que Deus faz alguma coisa antes
de alguém crer que precisa crer? Wesley responde: Nem foram os que creram
obrigados a crer. Mas, primeiramente, a graça lhes foi oferecida copiosamente.
E eles não a rejeitaram, de modo que até uma grande multidão de gentios se
converteram. Resumindo, a própria expressão implica numa ação presente da graça
de Deus operando fé nos ouvintes. A ideia é que a capacitação é um elemento
essencial da graça preveniente, embora ela não para por aí. A graça preveniente
nos levará até a conversão, caso não a resistirmos. Pouco antes da fé, ainda
pode se escolher por resistir, mas se isso acontecer essas pessoas cairão do
número daqueles ordenados a vida eterna. No entanto, se não resistirem, a graça
de Deus lhes seguirá (Jo 6.45; 7.17).
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Obrigado. Ajudou muito! Deus abençoe.
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